Ditadura tentou mudar universidade para garantir investimento público, diz professor

Consideradas estratégicas para projeto de 'progresso', escolas públicas, em especial as de Ciências Exatas receberam recursos para pesquisas durante a ditadura

São Paulo – O professor do departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal de São Carlos (Ufscar) João Roberto Martins defende que, apesar de parecer ambíguo, o governo militar instaurado a partir do golpe de 1964, incentivou a transferência do ensino público para a iniciativa privada, ao passo que manteve investimentos nas universidades públicas. “O governo militar tirou a liberdade de expressão das universidades e puniu professores e alunos, mas ao mesmo tempo ele manteve as universidade como reserva estratégica para o projeto de Brasil Potência, ao contrário do que aconteceu em países como Argentina e Chile”, defende Martins.

No aniversário dos 48 anos do golpe militar, a Rede Brasil Atual preparou um especial sobre as heranças deixadas pelos governos de Castello Branco, Costa e Silva, Médici, Geisel e Figueiredo.

Confira a entrevista com João Roberto Martins:

O que a gente tem de indício, hoje, que pode ter vindo do governo militar, tanto na questão das instituições educacionais, quanto no pensamento crítico das pessoas?

Quando ocorreu o golpe militar, em 1964, o Brasil estava diante de um dilema que era o do crescimento acentuado das matrículas no ensino superior.  Elas tinham atingido, em 1945, por volta de 45 mil matriculados e em 1964 esse número tinha chegado a praticamente o triplo. Um pouco antes do golpe, o governo do presidente João Goulart tinha ampliado as vagas das universidades públicas para acolher esse número de estudantes – a grande maioria vinda da classe média brasileira – que cada vez mais procuravam a universidade.

E como era para entrar nas universidades naquele período?

Na época, os vestibulares eram feitos da seguinte forma: você tirava uma boa nota, mas podia não entrar, porque o número de vagas não era suficiente, o que criava um grande problema que depois ficou conhecido como “problemas dos excedentes”.

Os excedentes eram pessoas que eram aprovadas, mas para as quais não havia vagas. Isso foi gerando uma pressão muito grande. Com o golpe, esse problema do crescimento da demanda incentivou o crescimento da oferta de vagas, em especial pelas universidades privadas. 

Mas o governo militar teve uma política que, de certa forma, foi ambígua com relação ao ensino superior, porque ele não atacou as universidades de forma a destruir o ensino público, como aconteceu, por exemplo, na Argentina. De certa maneira, o regime autoritário achava que precisava das universidades para realizar o que na época passou a se chamar de “Projeto Brasil Potência”.

Então, na verdade não faltaram verbas para o financiamento de pesquisas, apesar do regime ditatorial, e houve uma grande expansão no sistema brasileiro de pós-graduação. 

E quanto à repressão a estudantes e professores?

Houve perseguição a professores e alunos através de um decreto, o 474. Mas fora isso, o governo interferiu pouco no conteúdo dos currículos escolares. Com exceção de  algumas disciplinas que o governo acrescentou de forma obrigatória nas escolas, que geralmente eram ministradas por militares. Elas se chamavam “Organização Política e Social Brasileira”. Então o que nós temos em 1970? Uma universidade politicamente reprimida, onde não havia liberdade de expressão, mas havia dinheiro para pesquisa, expansão no contrato de professores e criação de outras instituições, que é o caso da Universidade Federal de São Carlos.

Essa interpretação de que não houve falta de financiamento, de incentivo, a gente poderia dizer que foi mais forte nas ciências humanas do que nas exatas?  Porque a gente vê que a repressão era mais direcionada a estudantes e professores das ciências humanas. Teve alguma diferença entre os dois campos do conhecimento?

Houve repressão generalizada com foco maior nas ciências políticas. Houve um tratamento literalmente autoritário, mas não faltaram verbas para o que eles acharam que precisava. Estabeleceu-se aí um quadro um pouco complexo. Por exemplo, a Universidade Federal de São Carlos, fundada em 1970, era basicamente uma escola de ciências exatas, mas acabou concentrando professores engenheiros, que ao mesmo tempo eram muito militantes. 

 

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