Lei da Anistia deve ser revogada, mas STF manterá posição, diz ‘militar de esquerda’

Integrante das Forças Armadas, que já foi cassado e preso, Fernando de Santa Rosa reconhece necessidade da Comissão da Verdade para que torturadores da ditadura 'mostrem a cara'

São Paulo – No caminho oposto do adotado por militares de carreira, ingressados principalmente antes ou durante o período de ditadura, Fernando de Santa Rosa não é um tradicional representante das Forças Armadas. Preso e cassado, Santa Rosa, hoje advogado, transformou-se em um “militar de esquerda”: apoia a Comissão da Verdade e alerta para interesses envolvidos no julgamento da Lei da Anistia.

Ele faz parte de um grupo de militares, unidos pela Associação Democrática e Nacionalista do Militares (Adnam), que critica publicamente nomes envolvidos em casos de tortura e pede que eles “apareçam e deem a cara a tapa”. Hoje (29), o Supremo Tribunal Federal (STF) julga recurso, apresentado pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) quanto à decisão tomada em abril de 2010 sobre a Lei de Anistia. Na ocasião, a maioria dos ministros interpretou que o dispositivo foi fruto de um amplo acordo nacional pela transição à democracia e contempla as violações aos direitos humanos cometidas por agentes do Estado. 

A Adnam, inscrita como amicus curiae, ou “amiga da corte” na petição inicial, considera que a atual composição de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), inclusive com a saída de Eros Grau, relator no primeiro julgamento da lei, não fará com que se aceite interpretação diferente sobre a anistia. “É como disse a ministra Eliana Calmon, do Conselho Nacional de Justiça: todas essas nomeações para esses tribunais têm influência política pesada”, argumenta Santa Rosa.

Fernando de Santa Rosa recorda que, à época do primeiro julgamento da lei, em abril de 2010, um encontro na casa do filho de um general reuniu o então ministro da Defesa, Nelson Jobim, o ex-chefe da polícia de Carlos Lacerda, Gustavo Borges, e dois ministros do STF, Gilmar Mendes e Ellen Gracie. “O que estariam fazendo esses dois ministros do STF nessa ocasião? Oito meses depois entrou em pauta a ação e foi aquela vergonha que todos nós conhecemos”, lamenta o militar, referindo-se ao resultado de 7 votos a 2 a favor da impunidade dos torturadores. 

A Comissão da Verdade, que investigará violações dos direitos humanos entre 1946 a 1988, é outro assunto que também desperta interesse – e ira – do militar. “O que eles (os militares) têm medo é da Comissão da Verdade. E olha que a comissão só quer a verdade. Ela não vai punir ninguém”, diz. Santa Rosa lembra que ninguém nunca soube quem são os anistiados beneficiados pela lei por parte do Estado porque eles nunca foram presos pelos crimes que cometeram, nem sequer julgados. Quanto às vítimas torturadas ou mortas, ele é enfático: “Todo mundo sabe os nomes dos torturados, os nomes do mortos e até fotografias espalhadas por aí mostram quem são. Isso são as provas que nós temos. Eles não podem refutar.”

Em fevereiro deste ano, Santa Rosa e Luiz Carlos de Souza Moreira, também militar, divulgaram um manifesto rebatendo carta assinada por presidentes de clubes militares, na qual continha crítica a ministros e classificava a Comissão da Verdade como “revanchismo”.  A rebatida de Santa Rosa e Moreira, chamada de “militares pela democracia”, estruturou-se na negação de que todos os militares fossem contrários à revisão da Lei de Anistia e à criação da Comissão da Verdade. “Que ninguém duvide, que o que queremos  é um regime de ampla democracia, irrestrita para qualquer cidadão, com direitos iguais para todos”, diz o texto.

Patriotismo ou a falta dele

A saída do presidente constitucional João Goulart e o posterior golpe militar, concretizado em 1º de abril de 1964, tem como principal motivo a defesa da soberania nacional e a luta contra uma possível “ditadura comunista”, como descrevem saudosos do regime. Entretanto, Santa Rosa sugere que o pretexto de defender o Brasil e lutar em nome do “patrotismo” esconde o fato de se ter uma minoria vendida ao capital americano, assim como ocorreu em outros países da América Latina. “Tudo aquilo ali foi comprado, tem gente que sabe até valores. Aquilo não foi nada de patriotismo. E isso trouxe as grandes dificuldades que o país passou e têm passado, com consequências até hoje”, explica o oficial reformado.

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