Paróquia que abrigou ex-moradores vai montar memorial do Pinheirinho

Trinta dias após a reintegração de posse, famílias ainda recorrem a doações de igreja; objetos perdidos nos escombros farão parte do acervo

Davina mostra álbum de fotos encontrado por ex-morador nos escombros do Pinheirinho: lembranças perdidas (Foto: Danilo Ramos/RBA)

São José dos Campos – A paróquia Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, em São José dos Campos, interior paulista, vai fazer um memorial às 1.600 famílias que perderam casas e pertences na reintegração de posse da comunidade Pinheirinho, ocorrida em 22 de janeiro. A igreja, situada no bairro próximo ao terreno, no Campo dos Alemães, serviu de abrigo a pelo menos 200 ex-moradores que não tinham para onde ir na noite em que foram desalojadas. Até hoje, 30 dias após a operação, o Centro de Promoção Humana Dr. Oscar Homero, responsável pelo atendimento dessas famílias, recebe pedidos para doação, que vão desde produtos de higiene a cestas básicas e roupas.

Davina Souza Fernandes, que trabalha no Centro, garante conhecer “mais da metade” das pessoas do Pinheirinho por lidar diariamente com cerca de 80 pedidos de cestas. “Até me emociono em falar deles. Todo mundo diz que ali é uma pequena porcentagem que precisa de ajuda. Eu vejo que é o contrário: são muitos os necessitados. O pessoal que vem aqui é realmente carente”, disse. O cadastro das famílias para recebimento das doações serve também para comprovar à prefeitura que as pessoas moravam no Pinheirinho e que tenham direito ao auxílio-aluguel, de R$ 500.

Ex-moradores ainda vão até a paróquia para entregar objetos encontrados no terreno, após a procura por documentos e bens perdidos. Uma das ex-moradoras resgatou um álbum de fotos que estava no meio dos escombros e levou até a igreja. “Trouxeram isso aqui para mim e me pediram para achar a dona dele, porque é família de lá (do Pinheirinho). Vou tentar localizar”, disse, exibindo as fotos perdidas.

Os objetos e as lembranças farão parte do memorial, que ocupará parte de um anexo da paróquia, em construção. “Com tudo o que a gente conseguir guardar do Pinheirinho, vamos montar um espaço para que este episódio não seja esquecido”, frisou Davina. A iniciativa pretende também “reerguer” a capela Madre Teresa de Calcutá, antes situada no meio do Pinheirinho, e que foi derrubada pelos tratores. O local servia de refúgio aos então moradores a cada ameaça de desalojamento.

Davina conta que paróquia ainda recebe grande volume de pedidos de ajuda dos ex-moradores do Pinheirinho (Foto: Danilo Ramos/RBA)

“Tomara que este seja o único episódio semelhante das nossas vidas, porque foi muito difícil mesmo”, lembrou. A ação da Justiça Federal que suspendia a operação de reintegração de posse durante 15 dias foi comemorada pelas famílias, segundo Davina. “Não tem um motivo para ter acontecido isso. Tanto tempo o pessoal lá, em uma terra sem dono. Porque a Selecta nunca cuidou daquele terreno”, lamentou. A decisão que viabilizou a reintegração partiu da juíza da 6ª Vara Cívil de São José dos Campos, Marcia Loureiro, passando por cima da liminar que garantia a suspensão. Sem aviso, as famílias foram surpreendidas com a ação policial que começou na madrugada daquele domingo (22).

A operação que mobilizou cerca de 2 mil soldados da Polícia Militar coleciona denúncias de truculência e uso indevido da força policial desde o dia da reintegração. Em somente um dia de mutirão do Conselho Estadual de Defesa à Pessoa Humana (Condepe) foram colhidas 507 denúncias dos moradores espalhados pelos quatro abrigos oferecidos pela prefeitura. Também são colocados em debate o suporte dado pelo judiciário paulista à reintegração e o apoio do governo do estado e prefeitura de São José dos Campos – ambos governados pelo PSDB – na ação que beneficiou a massa falida do investidor Naji Nahas. Um manifesto organizado por juristas pretende denunciar o caso à Corte Interamericana de Direitos Humanos, e o tema será debatido também em audiência no Senado nesta quinta-feira (23).

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