STF: Lei Maria da Penha pode punir agressor mesmo sem denúncia da vítima

Plenário do STF decide ação do Ministério Público sobre aplicabilidade da Lei da Maria da Penha (Foto: Gervásio Baptista/SCO/STF) Brasília – O oferecimento de denúncia na Justiça contra quem agride […]

Plenário do STF decide ação do Ministério Público sobre aplicabilidade da Lei da Maria da Penha (Foto: Gervásio Baptista/SCO/STF)

Brasília – O oferecimento de denúncia na Justiça contra quem agride no ambiente familiar não dependerá mais da vontade da vítima, segundo definiu na noite da quinta-feira (9) o Supremo Tribunal Federal (STF). Por 10 votos a 1, os ministros decidiram que o Ministério Público pode entrar com a ação penal, em casos de violência doméstica, mesmo que a mulher decida voltar atrás na acusação contra seu companheiro.

Nesta quinta-feira, o STF julgou uma ação de inconstitucionalidade de autoria da Procuradoria-Geral da República (PGR), que evidencia que a violência doméstica cometida pelo companheiro ocorre em pelo menos 90% dos casos. A ideia é que o Estado proteja a vítima quando ela se mostra incapaz de fazê-lo.

A instituição pedia que, nos trechos em que a Lei Maria da Penha condiciona a denúncia por agressões leves à vontade da vítima, o STF desse a interpretação para que o Ministério Público passasse a ter a prerrogativa de atuar.

A maioria acompanhou o voto do relator, ministro Marco Aurélio Mello. “Aos 65 anos, eu não acredito mais em Papai Noel. Sem proteção, as mulheres desistem de processar seus agressores”, disse o ministro. O ministro Luiz Fux afirmou que a ideia da alteração é intimidar os agressores, já que, agora, eles saberão que a ação judicial continuará independentemente da vontade da mulher.

Primeira a acompanhar o relator, a ministra Rosa Weber afirmou que exigir da mulher agredida uma representação para a abertura da ação atenta contra a própria dignidade da pessoa humana. “Tal condicionamento implicaria privar a vítima de proteção satisfatória à sua saúde e segurança”, disse.

Ao acompanhar o posicionamento do relator, o ministro Dias Toffoli salientou que o voto do ministro Marco Aurélio está ligado à realidade. Toffoli afirmou que o Estado é “partícipe” da promoção da dignidade da pessoa humana, independentemente de sexo, raça e opções, conforme prevê a Constituição Federal. “O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações”.

A ministra Cármen Lúcia destacou a mudança de mentalidade pela qual passa a sociedade no que se refere aos direitos das mulheres. Ela afirmou que é dever do Estado intervir – mesmo que tiver que adentrar o ambiente de “quatro paredes” – quando houver violência numa relação conjugal. “A interpretação que agora se oferece para conformar a norma à Constituição me parece basear-se exatamente na proteção maior à mulher e na possibilidade, portanto, de se dar cobro à efetividade da obrigação do Estado de coibir qualquer violência doméstica.”

Ao acompanhar o relator, o ministro Ricardo Lewandowski chamou atenção para aspectos em torno do fenômeno conhecido como “vício da vontade” e salientou a importância de se permitir a abertura da ação penal independentemente de a vítima prestar queixa. “As mulheres, como está demonstrado estatisticamente, não representam criminalmente contra o companheiro ou marido, em razão da permanente coação moral e física que sofrem e que inibe a sua livre manifestação da vontade”, finalizou.

O ministro Joaquim Barbosa, por sua vez, afirmou que a Constituição Federal trata de certos grupos sociais ao reconhecer que eles estão em situação de vulnerabilidade. Para ele, quando o legislador, em benefício desses grupos, edita uma lei que acaba se revelando ineficiente, é dever do Supremo, levando em consideração dados sociais, rever as políticas no sentido da proteção. “É o que ocorre aqui”, concluiu, ao referir-se ao julgamento da ação movida pela PGR.

Para o ministro Ayres Britto, em um contexto patriarcal e machista (como o que pauta a sociedade brasileira), a mulher agredida tende a condescender com o agressor. “A proposta do relator no sentido de afastar a obrigatoriedade da representação da agredida como condição de propositura da ação penal pública me parece rimar com a Constituição.”

Diferentes

O único voto contrário foi o do presidente da Casa, ministro Cezar Peluso. No seu entendimento, a alteração pode ser um retrocesso à proteção da mulher, já que ela pode desistir de denunciar seu companheiro à polícia na medida em que a lei não permite que ela abra mão de uma ação contra ele na Justiça. Para Peluso, hoje, muitas mulheres levam os casos de agressão ao conhecimento da polícia porque sabem que poderão voltar atrás mais à frente.

Apesar de ter votado a favor da maioria, o ministro Gilmar Mendes fez ressalva no mesmo sentido de Peluso. “As consequências vêm depois. Aí, podemos nos deparar com essa forma. Querendo fazer o bem, acabamos fazendo o mal. Mas não disponho de dados para seguir na outra alternativa desenhada”, disse Mendes, referindo-se à possível redução no número de denúncias se a ação na Justiça deixar de ser prerrogativa da vítima.

Com informações da Agência Brasil e do STF

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