Um mês após decreto de Dilma, ONGs reclamam de generalização e aumento de custos

Convênios entre ministérios e entidades da sociedade civil sem indícios de irregularidades serão retomados

São Paulo – Completa um mês nesta quinta-feira (1º) o decreto da presidenta Dilma Rousseff que suspende os contratos entre órgãos públicos da administração federal e entidades da sociedade civil sem fins lucrativos. Isso significa que os convênios sobre os quais não tenham sido detectadas irregularidades podem voltar a fazer repasses de recursos. Em caso contrário, as instituições têm 60 dias para comprovar a inexistência de problemas.

Para organizações não governamentais (ONGs) que prestam serviços aos cidadãos, ao suspender indiscriminadamente todos os convênios, a medida não teve os efeitos benéficos esperados pelo Palácio do Planalto. “O que está ocorrendo é uma generalização em torno de um termo que não serve para caracterizar o conjunto das entidades envolvidas”, diz Ivo Lesbaupin, integrante da Diretoria Executiva da Associação Brasileira de ONGs (Abong). “Se a grande maioria das organizações não está envolvida, por que elas foram afetadas?” Dados de 2005 do IBGE indicavam a existência de 601 mil entidades privadas e associações sem fins lucrativos no país.

A Pastoral da Criança emitiu na terça-feira (29) seu balanço anual, encerrado em setembro, e manifestou que a entidade foi afetada pela restrição imposta pelo decreto. O  coordenador nacional adjunto da organização, Nelson Arns Neumann, afirmou na ocasião que a medida “não facilitará o controle nem sobre o dia a dia e muito menos sobre as entidades já suspeitas de desvios”.

O Decreto 7.952, de 2011, deixou livre de suspensão de repasse os projetos que recebam verbas há mais de cinco anos sem a detecção de irregularidades, que é o caso da Pastoral, que desenvolve trabalhos de combate à desnutrição infantil. Mas o aumento da burocracia acabou afetando a instituição sediada em Curitiba por conta do atraso no cronograma de desembolso.

Também em nota, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) indicou que o decreto provocou aumento de custos e dificuldade de assegurar todas as exigências do governo. A entidade lembrou que estão sendo prejudicadas ONGs importantes para a conquista da cidadania e alertou que poucas sobreviverão “com vigor” às dificuldades impostas pelo governo. “O combate à corrupção e ao desvio é obrigação de todos. Casos isolados de ilícitos não podem ser utilizados para desmoralizar o conjunto das organizações sociais ou sacrificar a maioria de entidades idôneas: deve-se erradicar o joio sem, com isso, destruir o trigo”, critica o comunicado.

Ponto positivo

Se há um aspecto positivo ressaltado pelas entidades nestes 30 dias é a discussão sobre a regulamentação da relação das entidades da sociedade civil com o Estado. Entre 9 e 11 de novembro, em Brasília, representantes de ONGs e ministros realizaram o Seminário Internacional sobre o Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil, no qual foram discutidos os aspectos relativos a outro decreto presidencial, firmado em setembro para formar um grupo de trabalho com sete ministérios e sete entidades da sociedade civil encarregadas de debater o tema. As conclusões devem ser apresentadas em 90 dias e encaminhadas ao Legislativo.

Ivo Lesbaupin acredita que o marco regulatório será importante para definir critérios iguais para todas as organizações que queiram acessar recursos do Estado. Ele se disse surpreso com as cifras destinadas por ministérios a “empresas-laranjas” que não tiveram de passar por processos rigorosos de seleção e de prestação de contas e considera que o estabelecimento de regras comuns a todos é muito mais efetivo do que o decreto presidencial. “Enquanto não houver uma legislação e uma metodologia para que isso seja feito por todas as entidades, o problema permanece.”

O integrante da direção da Abong acrescenta que a regulação deve trazer a garantia da destinação de parte do Orçamento da União às organizações da sociedade civil. “Da maneira como está hoje, o Estado pode dar ou não. Isso submete esses recursos à boa vontade de tal ou qual ministério, o que permite também uma certa forma de clientelismo.”

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