Programa tenta integrar valores tradicionais dos agricultores ao combate à miséria

Produtos da agricultura familiar em cooperativa da Bahia: essenciais para a erradicação da miséria do país (Foto: Ascom/MDA) São Paulo – O governo federal prorrogou até 9 de dezembro o […]

Produtos da agricultura familiar em cooperativa da Bahia: essenciais para a erradicação da miséria do país (Foto: Ascom/MDA)

São Paulo – O governo federal prorrogou até 9 de dezembro o prazo para que organizações se inscrevam no programa de aquisição de sementes tradicionais do programa Brasil sem Miséria. O Ministério do Desenvolvimento Social explicou que a medida foi adotada para que mais organizações tenham tempo de reunir os documentos necessários para se tornarem fornecedoras.

O programa vai distribuir R$ 10 milhões entre organizações de agricultura familiar e comunidades rurais tradicionais que tenham condições de prover sementes crioulas, que são aquelas que guardam um patrimônio sem alterações ou melhoramentos genéticos. “A gente não quer uma semente que seja simplesmente distribuída e não possa ser reproduzida pela sociedade”, conta Maya Takagi, secretária de Segurança Alimentar e Nutricional do Ministério do Desenvolvimento Social. “Há muitas experiências bem sucedidas de bancos de sementes crioulas. São sementes tradicionais que a gente quer valorizar.”

As variedades crioulas são mantidas pelas famílias e guardam uma memória oral sobre as condições a que melhor se adaptam. A cada ano, o agricultor seleciona as sementes que tiveram melhor desempenho sob determinado conjunto de fatores (chuva, calor, solo, finalidade do produto). São sementes trocadas entre os produtores e sobre as quais não pesa cobrança de royalties, um fator importante para que os recursos do programa, escassos, possam ser alocados em outras finalidades. A expectativa para este ano é beneficiar diretamente 2,2 mil agricultores com um pagamento de R$ 2,4 mil e a distribuição de um kit de sementes.

O setor rural é fundamental para o sucesso do programa que a presidenta Dilma Rousseff elegeu colocar como objetivo de sua atuação social, o Brasil sem Miséria. O cruzamento de dados do Bolsa Família com as informações do Ministério do Desenvolvimento Agrário mostrou que, dos 16,2 milhões de brasileiros em extrema pobreza, com renda per capita inferior a R$ 70 por mês, 47% vivem no campo. “São pessoas que têm um pequeno pedaço de terra e que não têm renda para produzir. No entanto, teriam condições para a produção se tivessem recursos para plantar, uma orientação e ajuda para a colocação no mercado”, diz a secretária.

O programa articula os ministérios do Desenvolvimento Social e do Desenvolvimento Agrário e a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), ligada ao Ministério da Agricultura, e é elogiado pelos agricultores rurais. Organizações da agricultura familiar, em especial no Nordeste, fortaleceram ao longo dos anos os projetos em torno da preservação das sementes crioulas. Somente na Paraíba calcula-se em 220 o número de bancos coletivos de sementes, além das reservas feitas na propriedade de cada agricultor. 

Pesquisas detectaram que somente para o feijão e para o milho, por exemplo, em sub-regiões nordestinas chega a haver cerca de uma centena de variedades. As diferenciações dizem respeito à coloração, à adaptabilidade a cada clima, à textura quando o grão é cozido e à finalidade (se para alimentação de animais, moagem ou alimentação humana). A distribuição de grãos levará em conta uma avaliação feita por uma comissão que vai definir, com base nas informações prestadas, qual serve melhor a cada situação.

“A valorização do patrimônio genético é muito importante na perspectiva de desenvolvimento sustentável”, diz Maria da Glória Batista de Araújo, coordenadora da Articulação do Semiárido (ASA) na Paraíba. “A gente não concorda com as sementes híbridas e as sementes envenenadas com agrotóxico. Essa semente para nós não vale.”

Esses agricultores entendem que as variedades transgênicas são um risco à soberania financeira e alimentar, uma vez que precisam pagar royalties às empresas e não podem reaproveitar o excedente ao final da colheira. Por isso, a iniciativa incluída no Brasil sem Miséria é vista como um fortalecimento das correntes que preferem a valorização dos conhecimentos tradicionais. “A semente é a representação da vida e é a origem do alimento. Para garantir segurança alimentar, não basta ofertar alimento. É preciso ofertar condições para que se possa alimentar com os próprios recursos”, conclui Maya Takagi, para quem o programa terá a capacidade de ampliar a autonomia dos produtores e a capacidade de organização coletiva em prol das sementes crioulas.

Leia também

Últimas notícias