Juízes pedem fim do uso de algemas em partos de detentas em São Paulo

Prática considerada repugnante viola Constituição e acordos internacionais dos quais o Brasil é signatário

São Paulo – A Associação dos Juízes pela Democracia (AJD) faz duras críticas ao governo paulista diante da informação de que mulheres detidas em unidades prisionais do estado são mantidas algemadas mesmo em situações de trabalho de parto. A informação foi revelada na semana passada e o governador Geraldo Alckmin (PSDB) prometeu investigar a prática.

Segundo a AJD, “algemar mulheres durante o parto constitui, inquestionavelmente, atentado à dignidade humana”, especialmente por ser uma ofensa à “proteção à maternidade e à infância”. A medida contraria tanto a Constituição Federal como convenções internacionais assinadas pelo país. “(A prática) submete também o recém-nascido a discriminação em razão do parentesco, com violação das garantias e direitos constitucionais de proteção à infância”, prossegue a nota.

A organização ainda cita a Súmula Vinculante nº 11 do Supremo Tribunal Federal, definida em agosto de 2008, que estabelece que algemas devem ser usadas apenas em casos “absolutamente excepcionais”. A decisão, que se sobrepõe a outras deliberações de cortes inferiores, sugere penalidade em casos de abuso físico e moral de presos ou presas.

Segundo a Pastoral Carcerária, pelo menos seis presas revelaram terem sido algemadas pelas mãos e pelos pés durante cesariana, quando davam à luz em São Paulo. Os médicos que realizaram o parto não solicitaram, ainda conforme os depoimentos, que as algemas fossem retiradas. A Secretaria de Administração Penitenciária negou a prática e sugeriu que caberia ao médico a decisão.

Com informações do VioMundo

 

NOTA DA AJD SOBRE PARTOS COM GESTANTES ALGEMADAS

A AJD – Associação Juízes para a Democracia, entidade não governamental, sem fins corporativos, que tem dentre seus objetivos estatutários o respeito absoluto e incondicional aos valores próprios do estado democrático de direito e a defesa dos direitos humanos, tendo em vista a confirmação das notícias de realização de partos com o uso de algemas em gestantes sujeitas ao cumprimento de penas, vem a público manifestar o seguinte:

(1) algemar mulheres durante o parto constitui, inquestionavelmente, atentado à dignidade humana (art. 1º da Constituição Federal), desrespeito à integridade moral das mulheres (art. 5º XLIX, da Constituição Federal) e ofensa à especial proteção à maternidade e à infância, instituída como direito social (art. 6º da Constituição Federal),

(2) constitui descumprimento da garantia à mulher de assistência apropriada em relação ao parto, instituída no art. 12, § 2º da Convenção da ONU relativa aos direitos políticos da mulher (1952),

(3) submete também o recém-nascido a discriminação em razão do parentesco, com violação das garantias e direitos constitucionais de proteção à infância (art. 227 da Constituição Federal),

(4) subverte a lógica constitucional de acesso universal e igualitário aos serviços de saúde (art. 196 da Constituição Federal),

(5) representa flagrante descumprimento do dever de atendimento individualizado e tratamento diferenciado a que fazem jus as gestantes nos termos da Lei Federal nº 10.048/00 e, ainda,

(6) desvela evidente violação do artigo 143 da Constituição de São Paulo, que determina que a política penitenciária estadual deve observar as regras da ONU para o tratamento de presos, dentre as quais se destaca a regra nº 11 das “Regras de Bangcoc”, segundo a qual a presença de pessoal penitenciário e de segurança, durante o atendimento médico, observará a dignidade da presa.

Além de tudo isso, em face da absoluta desnecessidade dessa providência desumana e cruel, está ocorrendo também flagrante violação à Súmula Vinculante nº 11 do Supremo Tribunal Federal, a qual estabelece que o uso de algemas somente é lícito em casos absolutamente excepcionais e determina a aplicação de penalidades nos casos de abuso e constrangimento físico e moral dos presos ou presas.

Assim, como o procedimento em menção constitui prática ilegal, repugnante, covarde e imoral, além de violadora da dignidade humana, a  AJD exige que governo do estado determine a imediata abstenção dessa prática, bem como promova de forma efetiva a responsabilização de secretários de estado e servidores, por suas respectivas condutas, de ação ou omissão, na forma da lei.