Deputado ameaçado vê governo do Rio relapso

Período em que o deputado vai deixar o país vai servir para ele reorganização a sua segurança e da sua família (Foto: Divulgação/ Assessoria de Imprensa) São Paulo – O […]

Período em que o deputado vai deixar o país vai servir para ele reorganização a sua segurança e da sua família (Foto: Divulgação/ Assessoria de Imprensa)

São Paulo – O deputado estadual do Rio de Janeiro Marcelo Freixo (PSOL) considera que o governo do estado tem sido relapso diante das ameaças de morte que recebeu. Ele deixou o Brasil na segunda-feira (31) a convite da Anistia Internacional diante de uma escalada de ameaças de morte contra o parlamentar, originadas de milícias que controlam regiões inteiras do Rio de Janeiro, especialmente na zona oeste e na Ilha do Governador.

Em entrevista à jornalista Marilu Cabañas, da Rádio Brasil Atual, Freixo conta que a maior parte das denúncias chegou até ele a partir do Disque Denúncia e de operações de inteligência da Secretaria de Segurança Pública ou da Polícia Militar. Porém, apesar de contar com aparato de escolta e carro blindado, não foram prestadas informações sobre as investigações.

Foi diante do risco de sofrer algum tipo de atentado que Freixo decidiu deixar o país. Sua volta, porém, está marcada para novembro deste ano. O período deve servir para se reorganizar a segurança do parlamentar e de sua família. “A gente nunca pode achar que é normal e natural um processo de ameaça como esse. A gente não naturaliza isso, nem deve”, afirmou.

Pré-candidato pelo PSOL à sucessão de Eduardo Paes, prefeito da capital fluminense, o deputado descarta qualquer possibilidade de abandonar a atividade política e a luta contra as milícias. Em 2008, ele presidiu a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro que investigou a ação das milícias. Segundo seus cálculos, 500 pessoas chegaram a ser presas, mas mesmo assim o número de comunidades controladas por esse tipo de grupo cresceu de 170 para 300.

“Não só prender, mas tirar deles a fonte de lucro e o domínio de território. Isso é que é importante e que não foi feito até agora”, critica. As milícias são grupos paramilitares comandados por agentes de segurança do estado — em geral policiais civis ou militares. Eles controlam atividades legais e ilegais dentro de favelas, como comércio de botijão de gás, de TV a cabo clandestina e segurança. É dessas atividades que surge o lucro.

Enquanto as organizações ligadas ao tráfico de drogas têm sido alvo de ações amplas das polícias do estado, a crítica é de que as milícias não sofrem o mesmo tipo de pressão. As Unidades de Política Pacificadora (UPPs) foram implantadas em comunidades antes controladas por traficantes de drogas, com exceção de Ubatan, onde jornalistas de O Dia foram sequestrados e torturados em 2008.

A Secretaria de Segurança Pública do Rio de Janeiro emitiu nota ainda na segunda-feira afirmando que as ameaças estão sendo investigadas. O deputado criticou a postura, lembrando que o mesmo ocorreu antes do assassinato da juíza Patrícia Accioli, em agosto deste ano. A magistrada também era alvo de perseguição pelos miliciados por atuar no combate à corrupção policial. A ironia não foi comentada pelo órgão.

Confira a íntegra da entrevista:

Quando as ameaças começaram?

Presidi a CPI das Milícias em 2008 e, de lá para cá, são diversas as situações de ameaças. Mas, no último mês, houve um acirramento, e sete ameaças chegaram em menos de um mês. Isso evidentemente aponta para (a necessidade de) um cuidado maior. Eles são capazes, são criminosos o suficiente para fazer, afinal já torturaram jornalista, mataram juízes e agora ameaça concreta sobre minha vida. Todas essas ameaças são resultado do trabalho na CPI. Não podemos nos descuidar. Há um convite para que eu fique fora (do país) por alguns dias, não é nenhum exílio. É algo muito específico para dar tempo para reestabelecer e reestruturar minha segurança. Até o final do mês estou de volta para continuar minha vida aqui, com uma segurança um pouco mais estruturada.

Não é pouco tempo?

Não posso abrir mão do que tenho para fazer aqui. Não posso abrir mão da minha vida pública, não quero abrir mão. Vou sair a convite da Anistia Internacional, fazer o que tenho de fazer lá fora, reforçar as denúncias internacionais sobre a necessidade de um investimento mais forte do poder público contra as milícias, e volto. Senão, é uma vitória das milícias e do crime organizado. Isso intenso sobre isso, porque não é para desistir agora. O poder público tem de reagir e sabe o que fazer. Só no relatório da CPI há 58 propostas concretas para enfrentamento das milícias.

De onde surgem as ameaças de morte?

As denúncias chegam principalmente por meio do Disque-Denúncia, e também de interceptações, de produção da inteligência da Secretaria de Segurança e da Polícia Militar, e apontam sempre para as milícias. São grupos de diversos lugares do Rio de Janeiro tramando contra minha vida. Eles têm muitas razões para isso porque foram muitos os negócios interceptados, muita gente presa – mais de 500 prisões desde 2008. Evidentemente tem de tomar cuidado porque é possível sim que façam alguma coisa.

As milícias seriam da zona oeste e Ilha do Governador?

Sim, são áreas onde as milícias são mais fortes.

E houve até churrasco para comemorar o plano para assassiná-lo?

Olha, um dos disque-denúncia diz isso. Na verdade, há várias informações e cabe à Secretaria de Segurança apurar cada uma delas para saber se procede ou não. Mas não tenho retorno sobre isso.

Como sua família reage a esse cenário?

A gente nunca pode achar que é normal e natural um processo de ameaça como esse. A gente não naturaliza isso, nem deve. O objetivo da Anistia é me preservar um pouco, me tirar daqui por alguns duas. Não que isso resolva, porque não quero abrir mão da minha vida aqui. É só para distensionar este momento e para que eu possa também reformular em alguma medida minha segurança. Não abro mão da minha vida pública aqui.

O sr. é pré-candidato à prefeitura do Rio. Como vai ser enfrentar uma campanha diante desse tipo de ameaça de milícias?

Em nenhum momento eu misturo as coisas, porque são diferentes. Existe a pré-candidatura, não há nenhuma pretenção de abandonar esse projeto, muito pelo contrário. Só não misturo com o assunto das denúncias porque são temas diferentes, de momentos separados e quero manter cada um no seu espaço.

Há indícios de que o número de milicianos aumenta no país. Como o sr. vê a ação do poder público diante disso?

Não tenho informação sobre a situação em outros estados, embora haja reportagens sobre situações semelhantes em regiões da Bahia. No Rio, de 2008 para cá, o número de milícias aumentou. Mesmo com as 500 prisões de milicianos, em 2008, nós detectamos 170 áreas comandadas por milícias, e hoje são 300. Entre os 500 presos, estão deputados, vereadores, gente importante. Isso não bastou. Enquanto não for tirado o poder econômico e territorial isso não vai ser resolvido. É essa medida concreta que precisa ser feita. Não só prender, mas tirar deles a fonte de lucro e o domínio de território. Isso é que é importante e que não foi feito até agora.

Qual é o elo entre as milícias e as forças policiais? Como elas funcionam?

Todas as milícias têm como chefes agências públicas da área de segurança. Todas. A ação das milícias envolve o domínio de transporte alternativo, do comércio de gás, da rede clandestina de TV a cabo, da extorção de moradores com taxas de segurança e da agiotagem. São diversas atividades econômicas oriundas do domínio territorial que eles possuem. É muito lucrativo, um dinheiro que ajuda a comprar armas e gente.

Por que não se combate as milícias adequadamente?

As milícias sempre interessaram a muita gente. O domínio territorial também se transforma em domínio eleitoral. Eles sempre foram úteis a muitos setores da política do Rio de Janeiro. Talvez por isso tenham crescido tanto.

O sr. montou um dossiê com informações sobre as ameaças. Por quê?

Já foi para o secretário de Segurança, presidente da Assembleia, Ministério Público, presidente do Tribunal de Justiça uma cópia do conjunto de denúncias – são 27 ao todo de 2008 para cá. Há também informações e planos, e um anexo com a cobertura da imprensa. Tudo para que não possam dizer que não sabem do que está acontecendo.

A ação do governo diante das ameaças contra o sr. tem sido suficiente?

Eu tenho minha escolta, carro blindado; uma condição de segurança que a população não tem. Só que nesse momento de acirramento é que eu preciso reforçar a segurança. Mas eu conto com escolta e segurança desde 2008, providas pelo estado – e tem de ser. O que reclamo da Secretaria de Segurança é da falta de resposta a cada uma das denúncias. Das ameaças que recebi, nenhuma foi acompanhada de documento, telefonema ou preocupação por conta das investigações e providências tomadas em cima de cada uma. Não há resposta. Isso eu acho grave. É relapso por parte do governo não oferecer retorno a uma autoridade ameaçada, seja ela quem for.

 

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