Ex-detento peregrina por trabalho e reconhecimento na sociedade

Falta de escolaridade e preconceito vitimam pais e mães de famílias, que precisam recorrer a doações e “bicos” para complementar a renda

Mesmo com a recomendação da Justiça, preconceito impede ex-presidiários de conseguir emprego (Foto: Antonio Cruz/Agência Brasil)

São Paulo – Sobreviver da boa vontade alheia é situação conhecida para Marilton R., ex-presidiário de 32 anos. Ele percorre em média 40 ônibus por dia na capital paulista pedindo moedas “de qualquer valor que seja” aos passageiros. O horário de pico é o mais lucrativo. O motivo da peregrinação é a mancha de cinco anos em sua ficha criminal, o que dificulta, quase inviabiliza, a reconstrução de sua vida a partir de um novo emprego. Ele saiu de São Domingos do Norte, no Espírito Santo, com o pai e dois irmãos, aos 12 anos, quando parou de estudar. Já são 20 anos em São Paulo. 

“Tem gente que dá dinheiro, tem gente que prega para eu aceitar Deus e tem os que me ignoram”, relatou. Em suas abordagens, Marilton tenta explicar os motivos que o levam a pedir ajuda. Com esposa e um filho de 2 anos reside em uma casa de fundos alugada. A renda da família chega a R$ 700, do emprego de recepcionista de sua esposa e de “bicos” oferecidos por amigos.

Sua última experiência profissional foi como mecânico de automóveis em uma oficina da zona leste da cidade. Emprego formal, agora, não é perspectiva. “Já distribuí currículos em vários locais. Mas as respostas, são poucas, pouquíssimas”. conta. Apesar do pouco estudo, Marilton fala bem, o que facilita suas abordagens. Certa vez fez entrevista de trabalho em uma prestadora de serviços de limpeza. 

Passou um mês e nada. “Primeiro, pensei que tinha dado o número de telefone errado. Mas com o passar dos dias fui entendendo que essa coisa de ficha criminal pesa demais”, lamentou. Preso aos 25 anos por assalto a um supermercado, Marilton não participava de nenhum programa educacional e de formação. No presídio fazia trabalho pesado. “Fui condicionado a trabalhar, não a estudar”, pontuou.

Questionado sobre seus futuros passos, foi incisivo: “Já cumpri minha pena honestamente, já saí da prisão, já me redimi”.  Está quites com a lei. “Mas com a sociedade, não”, lamenta.

Discriminação inconfessável

Marilton faz parte de um conjunto de pessoas que sofrem uma “discriminação descarada”, segundo Marcelo Segal, juiz do trabalho da 26ª Vara do Trabalho do Rio de Janeiro. “Ninguém vai deixar explícito que age por discriminação. Então, lógico que isso é mascarado com o argumento de que a pessoa não se enquadra no perfil desejável e não tem as qualidades necessárias”, observa.  Mesmo com a participação em programas de capacitação, o caminho a trilhar exige portas abertas e uma boa oportunidade.

Para o juiz, uma vez que exigir antecedentes criminais não consta da lei, fazê-lo torna-se um equívoco. “As pessoas acham que devem dar emprego para a pessoa que nunca foi presa como se ela fosse mais importante ou não estivesse passível de ir presa. É uma questão cultural”, disse. Os registros de antecedentes são públicos. No entanto, utilizar isso como forma de negar acesso ao emprego seria ilegal.

Uma alternativa apresentada por especialistas e entidades é não haver registro da pena na ficha criminal – a não ser nos casos de reincidência – e a informação seria visível somente às autoridades e juízes. “Antigamente, você podia tirar uma certidão para saber se o trabalhador tinha ação na justiça. Muitas empresas realizavam esta averiguação e, se houvesse algo o trabalhador era descartado”, lembrou. Hoje, é proibido o acesso aos dados somente pelo nome do trabalhador.

Segal defende que haja leis que atraiam os empresários a considerarem a contratação desta mão de obra. Programas como o “Começar de Novo”, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), procuram reinserir o ex-detento no mercado de trabalho. “Estimular a contratação dessas pessoas é um ato correto. O empresário que o faz também mostra consciência social. É importante colaborar para que as pessoas não sejam descartadas pelo fato de terem cometido algum erro no passado”, concluiu.

Recomeço

Apesar do cenário ainda preocupante, alguns empresários já enxergam grandes oportunidades na admissão de ex-presidiários. Um dos setores que mais contratam é o da construção civil. Cerca de 300 ex-detentos foram admitidos para trabalhar nas construções de casas do programa do governo federal “Minha Casa, Minha Vida”, este ano no Maranhão. 

Outro exemplo vem da empresária Taciana de Freitas Kalili, dona de uma rede de loja de brigadeiros, com cinco unidades em shoppings de alto padrão em São Paulo. As embalagens que enfeitam os doces nas vitrines são confeccionadas por ex-presidiários. O trabalho é feito na cidade de Pouso Alegre, sul de Minas Gerais. “A gente faz isso na minha cidade. Lá tem uma casa originalmente de recuperação de dependentes químicos”, contou.

A ideia de contratar ex-detentos partiu de sua mãe, Ana Maria Freitas, que faz a “terapia ocupacional” com artesanato aos funcionários. Cerca de 60 pessoas produzem uma média de 3 mil caixinhas para brigadeiros por mês. Os administradores do projeto oferecem o treinamento e o serviço é feito sem dificuldades, de acordo com o relato de Ana Maria. 

Não há critérios rigorosos de seleção por conta da proposta da casa. Mas, como em todo trabalho, existem os que se destacam. A empresária disse que a facilidade para incluir ex-detentos no projeto só se dá porque se trata de uma cidade do interior. “Se fosse em São Paulo teríamos de saber como isso funcionaria”, frisou.

O portal Começar de Novo oferece um painel de oportunidades para ex-detentos que buscam emprego e qualificação profissional por meio de cursos – informática, línguas e especialidades como corte e costura, padeiro, conserto de microcomputadores. Há 2.655 vagas disponíveis.