Falha nas políticas sociais e de educação agravam reinserção de ex-detentos

Somente 8% dos 500 mil detentos realizam atividade educacional no país; 70% deles não conseguem emprego quando saem da prisão e retornam ao crime

Educação prisional: pouco estudo e muito impasse nos estados (Foto: Marcello Casal/Agência Brasil)

São Paulo – A falta de políticas sociais é o fator que agrava a retomada dos ex-presidiários à condição de cidadãos. Nas penitenciárias superlotadas, as atividades de capacitação e alfabetização ficam comprometidas, em um contexto em que muitos são analfabetos funcionais. Depois de cumprir a pena, o egresso tem poucas chances no mercado de trabalho, também por conta do despreparo.

Ao passo que a arrecadação do Fundo Penitenciário Nacional (Funpen) bateu a quantia de R$ 298 milhões em 2010, apenas pouco mais de R$ 2 milhões foram investidos diretamente em reintegração social de presos, internados e egressos no mesmo período, segundo dados do Ministério da Justiça. Recentemente, o governo federal anunciou R$ 1 bilhão para melhorias no sistema prisional, com prioridade ao controle da superlotação e qualidade do cárcere. São cerca de 1.850 presídios e delegacias no país.

Para o assessor jurídico da Pastoral Carcerária, Rodolfo Valente, o Estado já falhou ao dar a prisão em vez de buscar outras alternativas. “O mínimo a ser feito para aplacar essa tendência à desassocialização durante o cárcere é efetivar os direitos. “Isso não é um benefício e nem favor. É um direito fundamental, e está na Constituição”, ressaltou.

Hoje, somente 8% dos cerca de 500 mil detentos realizam atividade educacional no país. Segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), 70% deles não conseguem emprego quando saem da prisão e retornam ao crime.

Em 2009, A Relatoria Nacional para o Direito Humano à Educação apresentou à Comissão de Educação da Câmara dos Deputados um estudo com impressões sobre o quadro da educação nos presídios. A missão, organizada pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), apurou dez unidades prisionais nos estados de Pernambuco, São Paulo, Rio Grande do Sul e Pará. A conclusão do relatório apontou precariedade absoluta em um cenário em que a educação aos presos é encarada como privilégio.

Cerca de 82% dos presos não completaram o ensino fundamental, segundo levantamento do Departamento Penitenciário Nacional (Depen). “Essas pessoas já estão carentes de políticas públicas educacionais”, afirmou Valente. “Elas já têm o histórico de não ter tido acesso à educação. Se entram no sistema prisional que é extremamente deletério, é obvio que o caminho natural da pessoa é fazer o que está no alcance das mãos, se não conseguem trabalho”, alertou. “O caminho para o crime, com a falta de amparo, se torna mais atraente.”

A Lei nº 12.433/11, que dispõe sobre a remição de parte do tempo de execução da pena por estudo ou trabalho (a cada três dias de trabalho redução de um dia da pena), prevê parceria entre os ministérios da Justiça e da Educação para a implementação de programas de alfabetização dentro dos presídios. Os dados do Censo Escolar 2010 (Inep/MEC) demonstram que a oferta educacional para as pessoas privadas de liberdade é de 29.219 matrículas em 494 escolas.

Em nota, a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão do Ministério da Educação (Secadi/MEC) destacou como ações para educação em presídios programas como o Programa Brasil Alfabetizado (PBA), o Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com Educação Básica na Modalidade de Jovens e Adultos (Proeja), e o Programa Universidade Para Todos (Prouni).

No entanto, as medidas que deveriam servir como estímulo para a implantação dos projetos nos estados ainda sofrem impasse.

“Empurra-empurra”

Estado com maior concentração de população carcerária no país (cerca de 160 mil), São Paulo ainda é deficiente na construção de políticas de integração de presos. Seguindo a porcentagem nacional de estudo, a política de educação paulista seria desenvolvida pela Secretaria de Educação, mas executada pela Fundação Profº Dr. Manoel Pedro Pimentel (Funap) – entidade pública vinculada à Secretaria da Administração Penitenciária (SAP), criada basicamente para organizar o trabalho os presos.

Porém, nenhum dos órgãos dá passos efetivos nos projetos. “Sem dúvida, há conflito sobre quem deve realizar o quê. Para nós, é muito claro. A Secretaria da Educação tem de assumir o caso. Ela pode até fazer convênios, mas são convênios pontuais”, disse Valente. No final do ano passado foram aprovadas as diretrizes nacionais para a educação de adultos em situação de privação de liberdade. Entre elas, há duas que têm sido pontos da luta da Pastoral Carcerária: a participação da sociedade civil e a devida coordenação da Educação do estado.

A entidade tem pleiteado sem sucesso junto ao governo estadual a participação na construção das diretrizes e no andamento dos projetos. Audiência realizada na Assembleia Legislativa no final de setembro não teve quórum. Também ausente, o secretário de Educação, Herman Voorwald, justificou ter outros compromissos, assim como o de Administração Penitenciária, Lourival Gomes.

Procurada, a assessoria da SAP confirmou que a Secretaria de Educação não atua nos presídios do Estado. A secretaria garantiu que a Funap realiza o trabalho educacional nas unidades prisionais nos níveis de ensino fundamental e médio, e destacou o programa “Pró-Egresso”, criado durante o governo de José Serra (PSDB). A proposta é que somente podem vir a prestar serviço para a administração pública as empresas com pelo menos 5% de seu corpo de funcionários preenchido por ex-detentos.

Roraima, Paraíba, Maranhão, Rio Grande do Norte, Bahia, Mato Grosso do Sul, Sergipe, São Paulo e Santa Catarina são os estados que têm menos professores estaduais lecionando nas prisões, segundo levantamento do Instituto de Pesquisa e Cultura Luiz Flávio Gomes baseado em dados do Depen de 2010. O estado do Pará é o que apresenta pior quadro, com representação nula. Um dos maiores impasses deve-se ao receio dos educadores em lidarem diretamente com pessoas que já praticaram um crime.

Alternativas para capacitação

Na falta de aprendizado oferecido pelo governo, alguns órgãos disponibilizam cursos e programas próprios de capacitação. O programa “Começar de Novo”, do CNJ, tem como objetivo sensibilizar o poder público e a sociedade para que postos de trabalho sejam criados, diminuindo assim a reincidência de crimes. Um painel com as oportunidades de emprego e cursos é alimentado por instituições públicas e privadas. Até maio desde ano, 1.028 postos de trabalho foram criados pelo projeto, principalmente em Goiás, com 344. Em segundo lugar vem o Distrito Federal (194); em terceiro, a Bahia (160).

A maioria dos cursos oferecidos pelos centros de qualificação é profissionalizante, como os de azulejista, eletricista e encanador. Cerca de 1.670 detentos em regime semiaberto deixam as prisões para fazer cursos técnicos, segundo o Depen. Somente 265 do total nacional têm oportunidade de cursar ensino superior.

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