Protesto em São Paulo pede alteração no projeto da Comissão da Verdade

Nesta sexta-feira, ativistas vão defender que mudanças sejam realizadas pelo Senado, onde o texto tramita depois de ter sido aprovado pela Câmara

São Paulo – O Comitê Paulista pela Memória, Verdade e Justiça promove manifestação nesta sexta-feira (30) para pressionar o Senado a promover modificações no projeto que cria a Comissão da Verdade. O ato está programado para as 16h30, no vão livre do Masp, na avenida Paulista, região central da capital paulista. Ativistas de direitos humanos, ex-presos políticos, parentes de mortos e de desaparecidos políticos são esperados no protesto.

Aprovado na semana passada pela Câmara Federal, o projeto está no Senado. Apesar de ter origem no Executivo, o senador Aloysio Nunes (PSDB-SP) assumiu a relatoria, como forma de dar um caráter pluripartidário à iniciativa. Por causa de acordos entre governo e oposição, o parlamentar – que tem histórico de participação na guerrilha armada contra a ditadura – deve ter pouca margem para alterar o texto.

Depois da concentração no Masp, o ato prevê uma passeata até o prédio da Presidência da República na capital paulista, na esquina da avenida Paulista com a rua Augusta.

No local, representantes do comitê pretendem protocolar um manifesto encaminhado à presidenta Dilma Rousseff com as demandas de alterações no projeto. Segundo os ativistas, o manifesto é assinado por nomes como Chico Buarque, Frei Betto, João Pedro Stédile, além de juristas, magistrados, entre outros.

Durante a caminhada os manifestantes entregam uma Carta Aberta à População em que pedem a abertura imediata dos arquivos da ditadura, a punição dos torturadores e o cumprimento da sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA). A referência é à decisão de que o Estado brasileiro não pode usar a Lei de Anistia de 1979 como desculpa para deixar de investigar e punir os culpados pela repressão a militantes contra a ditadura no episódio conhecido como Guerrilha do Araguaia.

Nova linha

Entre as reivindicações dos ativistas está impedir que militares participem da Comissão da Verdade e que os resultados das investigações possam ser entregues ao sistema judiciário para a responsabilização civil e criminal de torturadores, assassinos e empresários que financiaram a repressão política no país durante os chamados anos de chumbo.

São pleiteadas ainda questões como a substituição da expressão “reconciliação nacional”  por “consolidação da Democracia”, na lista de objetivos da comissão. Segundo os organizadores, o ajuste reduziria a possibilidade de repetição dos excessos da ditadura.

Os manifestantes também querem que a Comissão que vier a ser formada tenha poderes para apurar os responsáveis pela prática de violações de direitos humanos no período e o dever de enviar suas conclusões para as autoridades.

Entre esperança e receio

A Comissão de Verdade é parte integrante do terceiro Plano Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3). O objetivo inicial era investigar crimes e violações de direitos humanos praticados durante a ditadura, para que o Estado reconheça sua responsabilidade e torne públicos os fatos. Isso permitiria que a população conhecesse a real história de seu país, a exemplo do que já ocorreu com vizinhos sul-americanos que passaram por períodos autoritários, como Argentina, Uruguai e Chile.

A iniciativa é vista por defensores de direitos humanos como ponto de partida para que agentes da ditadura que praticaram delitos de lesa-humanidade possam ser criminalmente punidos. Diante da resistência de setores conservadores da sociedade, inclusive militares, o governo federal fez concessões e eliminou do projeto que cria a Comissão de Verdade qualquer possibilidade de se apontarem responsabilidades criminais.

Além disso, ampliou o período de investigação – de 1964-1985 para 1946-1988 –, o que pode, segundo familiares de presos e desaparecidos durante a ditadura, prejudicar o foco sobre o período mais duro, dar margem para dispersar as investigações e tornar o esforço improdutivo.

Sete membros terão dois anos para apurar e analisar crimes cometidos por agentes do Estado no período determinado. Os integrantes serão indicados pela Presidência da República, sem necessidade de consulta nem restrições. Assim, em tese, até militares podem ser incorporados, embora haja indicações de que isso não vá ocorrer – envolvidos com o regime autoritário ou com tortura estão descartados, segundo declarações de representantes do Executivo. A falta de garantias ao funcionamento da Comissão previstas no texto votado pelo Congresso também é motivo de apreensão.

Mesmo assim, a Comissão de Verdade tem apoio do governo federal, de ex-ministros da Secretaria Especial de Direitos Humanos e setores dos movimentos sociais. A possibilidade de investigar processos do período é vista como uma forma de criar fatos novos para levar de volta ao Judiciário a discussão sobre a punição de crimes anteriores a 1979, quando a Lei da Anistia foi aprovada. Em abril de 2010, o Supremo Tribunal Federal (STF) considerou que a Lei da Anistia impede a continuidade de ações judiciais contra torturadores.

Em dezembro do ano passado, a Corte Interamericana de Direitos Humanos – da Organização dos Estados Americanos (OEA) – condenou o Estado brasileiro por não investigar crimes cometidos por agentes da repressão no episódio conhecido como Guerrilha do Araguaia. Apesar da decisão, a Justiça brasileira não manifesta disposição para retomar julgamentos criminais.

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