Decisão do governo de investir R$ 1 bilhão no sistema penitenciário é bom começo

Ex-diretora do sistema penitenciário do Rio de Janeiro, Julita Lemgruber, afirma que além do investimento nos presídios, dinamização do Judiciário demanda mais recursos

Condições desumanas: em 2009, uso de contêineres como celas em presídio do Espírito Santo motivou pedido de intervenção federal no estado. (Foto: Luciana Lima/Agência Brasil)

São Paulo – O governo federal promete anunciar, dentro de algumas semanas, um pacote de R$ 1 bilhão para o aperfeiçoamento do sistema penitenciário brasileiro. A decisão foi divulgada pelo ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, sem trazer detalhes de quais seriam as ações a serem executadas. Apesar de não assegurar o fim de problemas crônicos em presídios, como superlotação por falta de vagas e violações de direitos humanos, o montante é visto como um “bom primeiro passo”, além de representar um marco, comparado a valores investidos anteriormente.

Dados do Ministério da Justiça apresentados em dezembro de 2010, mostram uma população carcerária de aproximadamente 500 mil presos, distribuídos majoritariamente entre as penitenciárias e, em menor contingente, em celas de delegacias policiais. Devido ao insuficiente número de carceragens, atualmente faltam 197.976 vagas, fator apontado como responsável pela superlotação das celas.

A socióloga e ex-diretora do sistema penitenciário do Rio de Janeiro, Julita Lemgruber, é uma das principais referências na discussão sobre o tema no país. Para ela, mesmo sem os detalhes do investimento, mais recursos podem representar o início de uma melhoria no sistema.

O investimento do Plano de Ampliação e Modernização do Sistema Prisional, previsto para ser apresentado ainda no início de setembro pela presidente Dilma Rousseff, será uma atitude “bastante ousada”, segundo o ministro Cardozo. Os valores disponíveis ao Fundo Penitenciário Nacional (Funpen) até 2009 não passavam dos R$ 300 milhões anuais. Apesar dos crescentes investimentos no setor, o recurso bilionário prometido pode ajudar a resolver partes de um problema represado e “jogado para debaixo do tapete” por um longo período.

Problemas no Judiciário

De acordo com Julita Lemgruber, a solução para o caso se concentra em duas frentes, a primeira e mais evidente, consiste na construção de novos presídios e abertura de vagas. Menos aparente mas igualmente importante, está o que ela chama de dinamização do Judiciário.

A socióloga afirma que a preocupação mais emergencial é justamente o esvaziamento das carceragens policiais, onde, segundo ela, “milhares de pessoas vivem em uma situação altamente degradante, privadas da liberdade de uma forma absolutamente cruel e desumana”. Ela explica que esse tipo de pena é um péssimo negócio para a sociedade, pois produz, no detento, um forte sentimento de revolta.

Simultaneamente a essas medidas, Julita Lemgruber assinala a celeridade nos processos penais como fator preponderante para aliviar a superlotação das unidades prisionais. “Um dos problemas que contribuem para a superlotação das cadeias é a quantidade enorme de presos que já teriam direito a benefícios legais e continuam cumprindo pena.” Entre os benefícios citados estão a progressão de pena para regimes semiaberto e aberto.

Um dos principais indicadores desse cenário foi o resultado dos mutirões promovidos pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). De 2008 a 2010, segundo o órgão ligado ao Judiciário, pelo menos 20 mil presos foram liberados porque cumpriam pena ilegalmente – ou já haviam completado o período de detenção ou sequer tinham sido julgados.

De acordo com Cardozo, o dinheiro será utilizado em um grande plano que prevê a ampliação e modernização do sistema prisional brasileiro, incluindo medidas de reinserção dos presos na sociedade. “Gostaríamos de anunciar a construção de creches e escolas, mas não podemos mais conviver com a realidade cruel do sistema prisional do país”, escorregou o ministro na semana passada, ao participar de audiência pública no Senado.

Para Julita Lemgruber, aplicar em melhorias do sistema penitenciário faz parte dos esforços para aprimorar a segurança pública. “Se as pessoas são tratadas de forma desumana, desrespeitosa, indigna, elas vão se tornar mais violentas quando saírem de lá. Investir no sistema prisional também faz parte dos investimentos necessários para atingir a redução dos índices de violência e criminalidade”, afirmou.

No que diz respeito à construção de presídios, um outro problema precisará ser enfrentado. Enquanto em outros países há registros até de disputas entre municípios para receber unidades de detenção, no Brasil acontece o contrário. Prefeitos rechaçam a ideia de contar com unidades prisionais em suas cidades, temendo fugas, rebeliões e aumento da criminalidade, além de ser uma medida impopular entre os habitantes (leia-se: eleitores).

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