Perto de aprovação, Comissão da Verdade ainda enfrenta má-vontade

A ministra Maria do Rosário se reuniu com ex-ministros da pasta para tentar agilizar a votação do projeto (Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil) São Paulo – Prestes a ser votado […]

A ministra Maria do Rosário se reuniu com ex-ministros da pasta para tentar agilizar a votação do projeto (Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil)

São Paulo – Prestes a ser votado na Câmara Federal, após idas e vindas no teor do texto, o projeto de lei que cria a Comissão da Verdade ainda convive com divergências e dúvidas sobre sua efetividade. Apresentado pelo governo Lula, o organismo foi pensado originalmente para apurar denúncias de violações dos direitos humanos durante a ditadura militar, mas teve seu prazo alterado para o período de 1946 a 1988. Entidades de defesa de direitos humanos veem falta de vontade política na efetivação de uma comissão capaz de investigar com rigor abusos cometidos por agentes da repressão de 1964 a 1985.

Wadih Damous, presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, seção do Rio de Janeiro (OAB-RJ), considera que a questão da violação de direitos humanos durante o governo militar é tratada no Brasil como se devesse ficar à margem da história. Ele aponta má-vontade para a criação da Comissão da Verdade e acredita que ainda haverá obstáculos para que os objetivos sejam alcançados mesmo após a aprovação.

Para Cecília Coimbra, presidente do Grupo Tortura Nunca Mais do Rio de Janeiro, as normas que direcionam a eventual Comissão da Verdade são extremamente limitadas. Para ela, além de não poder responsabilizar criminalmente os autores dos delitos, foi retirada do texto a determinação de investigar somente o período da ditadura militar. Na prática, podem ser apurados todos os crimes de direitos humanos cometidos em um período de 42 anos – o que representa risco de dispersão de esforços.

“Vão investigar todas as violações de direitos humanos, mas acontece que todos os governos, inclusive os civis da pós-ditadura, cometeram esse tipo de crime. Não há vontade politica, pois todos os governos civis fazem ou fizeram acordos com forças politícas que respaldaram a ditadura”, lamenta Cecília.

Sobre o caráter não punitivo da atual comissão, o ex-ministro de Direito Humanos Paulo Vanucchi lembrou em entrevista à Rádio Brasil Atual que a atual comissão deixou de lado toda discussão sobre possibilidades de punições. Mesmo assim, isso é necessário: “É preciso conhecer e saber o que houve”. Vanucchi espera que o Judiciário brasileiro, dependendo dos resultados gerais da comissão, crie nova jurisprudência e permita a punição de agentes responsáveis por violações, a exemplo do que ocorreu em países vizinhos que também viveram períodos repressivos.

O procurador da República em São Paulo Marlon Weichert considera que apenas uma comissão dotada de condições materiais, humanas e jurídicas pode resolver a lacuna deixada pela falta de resolução de crimes cometidos durante a ditadura miliar.  “Para exercer bem o mandato, a comissão precisa estar muito bem estruturada. Se não, pode ser uma frustração ainda maior”, pontua.

Damous, da OAB-RJ, tem os mesmos argumentos. Para ele, a questão mais importante é o aparelhamento da comissão, pois com as condições necessárias os sete integrantes que comporão o grupo poderão produzir bons resultados. 

A votação

Defendida por ativistas de direitos humanos e parentes de vítimas da repressão, a Comissão de Verdade é vista como etapa necessária para resgatar a verdade histórica do período, com a responsabilização dos agentes que praticaram crimes, considerados de lesa-humanidade ou hediondos, o que os tornaria imprescritíveis.

A costura política para se alcançar o texto atual esbarra na decisão de abril de 2010 do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a Lei de Anistia. A norma de 1979 prevê que os autores de crimes no período da ditadura deixariam de responder a crimes de natureza política. Na interpretação da mais alta corte do país, isso não permite abertura de processos criminais nem mesmo contra violações de direitos humanos e assassinatos por agentes do Estado.

Assim, a comissão poderá apontar responsabilidade civil e, eventualmente, alcançar fatos novos que permitam levar a questão novamente ao Judiciário. Como uma comissão desse tipo é uma iniciativa que acontece apenas uma vez na história – e, neste caso, com grande resistência de setores militares e conservadores da sociedade –, as limitações tendem a reduzir os efeitos das investigações.

Nesta semana, a ministra da Secretaria de Direitos Humanos, Maria do Rosário, reuniu-se com ex-ministros da pasta para articularem o pedido de maior agilidade na votação do projeto que cria a comissão. Eles pediram que a proposta seja votada ainda este ano para evitar que o tema perca força. O pedido foi feito ao presidente da Câmara, Marco Maia (PT-RS), que prometeu levar a proposta aos deputados e afirmou que há entendimentos para que se vote o projeto como está.