Longe da violência, dom Paulo Evaristo Arns tem história de luta pelo povo
Ao aproximar-se dos 90 anos de vida dedicada ao povo e ao país, religioso dedica-se à reflexão
Publicado 06/09/2011 - 18h08
Dom Paulo recusa-se a participar de eventos e solenidades públicas, inclusive aquelas em que é o próprio homenageado (Foto: Luciney Martins/CNBB Divulgação)
São Paulo – De fala mansa e andar calmo, dom Paulo Evaristo Arns aproxima-se dos 90 anos de seu modo. “É uma pessoa que sabe acolher, que sabe agradecer. E não tem aquelas exigências que muitas vezes a gente vê nos idosos”, confidencia, com um riso discreto, irmã Devanir de Jesus, uma das pessoas escolhidas por dom Paulo para falar em seu nome.
Ele recusa-se a participar de eventos e solenidades públicas, inclusive aquelas em que é o próprio homenageado. De uns anos para cá, o cardeal optou pela vida reclusa numa congregação franciscana em Taboão da Serra (SP), região metropolitana da capital. Por muito tempo dedicou sua vida ao povo. Agora, dedica-se a Deus.
Dom Paulo, 90 anos
A Rede Brasil Atual apresenta uma série de reportagens sobre a atuação de Dom Paulo Evaristo Arns às vésperas de ele completar 90 anos de vida, no dia 14 de setembro de 2011.
O perfil do cardeal arcebispo será tema de reportagem da edição de setembro da Revista do Brasil.
Paulo Evaristo Arns vestiu seu primeiro sapato aos oito anos especialmente para assistir às orações na capela da colônia, a cidade de Forquilinha (SC). A expectativa das idas à capela tomava conta do menino que sempre reconheceu e estampou em sua missão a herança deixada pelos pais. A fé de sua mãe e o espírito humanista do pai. Dom Paulo reconheceu que a família havia lhe transmitido não somente a beleza de viver, mas, o fez entender que sua vida só se encheu de sentido por ter escolhido tal profissão.
O menino Paulo dizia não entender quando seu pai, Gabriel, lhe falava que se vê Deus e seus amigos apenas quando se gosta deles. “E é o coração quem vê”. Do carinho do pai, o cardeal afirma ter aprendido que a fé se aprende pelo amor. Devoto de São Francisco de Assis, dom Paulo resumiu sua vida nos ensinamentos do santo: o amor fraterno e a convivência pacífica. E pacífico foi o que mais representou o trabalho do arcebispo quando esteve à frente de tudo que lhe foi designado. A arquidiciosese, as pastorais, a Comissão pela Justiça e Paz e, não menos importante, a luta pela não violência nas formas de combate aos anos de chumbo da ditadura militar no Brasil.
Ordenado sacerdote em 1945, o franciscano Paulo Evaristo desembarcaria em solo francês dois anos mais tarde para estudar em uma das mais importantes faculdade do mundo, a Sorbonne, em Paris. A vida na Europa, além do título de doutor, rendeu-lhe outras bagagens. A experiência e o convívio com o cenário pós-Segunda Guerra Mundial reforçou no jovem sacerdote a ânsia de lutar, ao regressar ao Brasil, contra as agruras da miséria e da opressão.
Os 28 anos que dom Paulo passou à frente da Arquidiocese de São Paulo tornaram-no símbolo da defesa do povo e dos trabalhadores. “Na igreja ele se destacou pela opção pelos pobres, pela ‘operação periferia’ que ele fez, e o trabalho de levar a Igreja a todos os lugares”, afirma dom Pedro Stringhini, bispo de Franca e amigo pessoal do arcebispo. “Na sociedade, a luta pelos direitos humanos, pelo trabalhador e pela liberdade democrática. Dom Paulo deu a vida por todo brasileiro. Esse foi dom Paulo”, emociona-se.
“Tudo o que a gente fazia era com o apoio de Dom Paulo. Era o pastor geral. Dava todo o acompanhamento. Era nosso pai, nosso irmão, nosso amigo, nosso confessor. Dom Paulo não defendia a pessoa porque era católica. Ele era aquele que ia livrar qualquer operário, e que sempre estava lá na defesa dos direitos humanos”, enfatiza Ana Dias, viúva de Santo Dias da Silva, operário que morreu baleado pela Polícia Militar em 1979. O trabalhador também participava da Pastoral Operária, uma das lutas de dom Paulo.