Longe da violência, dom Paulo Evaristo Arns tem história de luta pelo povo

Ao aproximar-se dos 90 anos de vida dedicada ao povo e ao país, religioso dedica-se à reflexão

Dom Paulo recusa-se a participar de eventos e solenidades públicas, inclusive aquelas em que é o próprio homenageado (Foto: Luciney Martins/CNBB Divulgação)

São Paulo – De fala mansa e andar calmo, dom Paulo Evaristo Arns aproxima-se dos 90 anos de seu modo.  “É uma pessoa que sabe acolher, que sabe agradecer. E não tem aquelas exigências que muitas vezes a gente vê nos idosos”, confidencia, com um riso discreto, irmã Devanir de Jesus, uma das pessoas escolhidas por dom Paulo para falar em seu nome.

Ele recusa-se a participar de eventos e solenidades públicas, inclusive aquelas em que é o próprio homenageado. De uns anos para cá, o cardeal optou pela vida reclusa numa congregação franciscana em Taboão da Serra (SP), região metropolitana da capital. Por muito tempo dedicou sua vida ao povo. Agora, dedica-se a Deus.

Dom Paulo, 90 anos

A Rede Brasil Atual apresenta uma série de reportagens sobre a atuação de Dom Paulo Evaristo Arns às vésperas de ele completar 90 anos de vida, no dia 14 de setembro de 2011.

O perfil do cardeal arcebispo será tema de reportagem da edição de setembro da Revista do Brasil.

Confira a série

Paulo Evaristo Arns vestiu seu primeiro sapato aos oito anos especialmente para assistir às orações na capela da colônia, a cidade de Forquilinha (SC). A expectativa das idas à capela tomava conta do menino que sempre reconheceu e estampou em sua missão a herança deixada pelos pais. A fé de sua mãe e o espírito humanista do pai. Dom Paulo reconheceu que a família havia lhe transmitido não somente a beleza de viver, mas, o fez entender que sua vida só se encheu de sentido por ter escolhido tal profissão.

O menino Paulo dizia não entender quando seu pai, Gabriel, lhe falava que se vê Deus e seus amigos apenas quando se gosta deles. “E é o coração quem vê”. Do carinho do pai, o cardeal afirma ter aprendido que a fé se aprende pelo amor. Devoto de São Francisco de Assis, dom Paulo resumiu sua vida nos ensinamentos do santo: o amor fraterno e a convivência pacífica. E pacífico foi o que mais representou o trabalho do arcebispo quando esteve à frente de tudo que lhe foi designado. A arquidiciosese, as pastorais, a Comissão pela Justiça e Paz e, não menos importante, a luta pela não violência nas formas de combate aos anos de chumbo da ditadura militar no Brasil.

Ordenado sacerdote em 1945, o franciscano Paulo Evaristo desembarcaria em solo francês dois anos mais tarde para estudar em uma das mais importantes faculdade do mundo, a Sorbonne, em Paris. A vida na Europa, além do título de doutor, rendeu-lhe outras bagagens. A experiência e o convívio com o cenário pós-Segunda Guerra Mundial reforçou no jovem sacerdote a ânsia de lutar, ao regressar ao Brasil, contra as agruras da miséria e da opressão.

Os 28 anos que dom Paulo passou à frente da Arquidiocese de São Paulo tornaram-no símbolo da defesa do povo e dos trabalhadores. “Na igreja ele se destacou pela opção pelos pobres, pela ‘operação periferia’ que ele fez, e o trabalho de levar a Igreja a todos os lugares”, afirma dom Pedro Stringhini, bispo de Franca e amigo pessoal do arcebispo. “Na sociedade, a luta pelos direitos humanos, pelo trabalhador e pela liberdade democrática. Dom Paulo deu a vida por todo brasileiro. Esse foi dom Paulo”, emociona-se.

“Tudo o que a gente fazia era com o apoio de Dom Paulo. Era o pastor geral. Dava todo o acompanhamento. Era nosso pai, nosso irmão, nosso amigo, nosso confessor. Dom Paulo não defendia a pessoa porque era católica. Ele era aquele que ia livrar qualquer operário, e que sempre estava lá na defesa dos direitos humanos”, enfatiza Ana Dias, viúva de Santo Dias da Silva, operário que morreu baleado pela Polícia Militar em 1979. O trabalhador também participava da Pastoral Operária, uma das lutas de dom Paulo.