Agricultores veem ameaça em feijão transgênico da Embrapa

Preocupação é com perda de sementes crioulas, que os produtores familiares dizem ser melhores que as geneticamente modificadas, com a vantagem de serem gratuitas

No caso do feijão, um levantamento mostrou que apenas no Agreste da Paraíba há 55 etnovariedades; preservação de diversidade é uma das motivações para se opor à iniciativa da Embrapa (Foto: © Jaílton Garcia)

São Paulo – Mexicano, mulatinho, mulatão, carioca, preto-uberabinha, bico-de-ouro, gordo. Sempre-verde, garanjão, pau-ferro, corujão, estendedor, moita-vagem-roxa. Cara-larga, orelha-de-vó, boca-de-moça, olho-de-peixe, rosinha. Sementes crioulas são o grande patrimônio dos agricultores tradicionais. São grãos que acompanham as famílias ao longo de dezenas, às vezes mais de uma centena de anos. 

Agricultores familiares do Nordeste prometem se articular para tentar barrar o plantio do feijão transgênico desenvolvido pela Embrapa. Os produtores rurais veem no produto geneticamente modificado uma ameaça a suas variedades crioulas, adaptadas a situações específicas e sem custo de produção. 

“Pode ser que em termos de produtividade nos parâmetros trabalhados pelo agronegócio as sementes crioulas não sejam as de níveis maiores, mas são as que estão melhor adaptadas a cada clima, a cada solo”, afirma Mardônio Alves, coordenador-executivo da Articulação do Semiárido. 

No caso do feijão, um levantamento mostrou que apenas no Agreste da Paraíba há 55 etnovariedades, algumas das enumeradas no começo deste texto. A pesquisadora Maria Paula Correia Lima de Almeida encontrou uma discussão que vai muito além da produtividade na hora de definir pelo plantio. O rendimento é apenas uma das variantes que levam o produtor nordestino a escolher por este ou aquele feijão. Bom para comer, crescimento, semente limpa, tamanho da vagem, bom gosto são outros dos fatores.

O grão da Embrapa promete barrar o vírus do mosaico dourado. A estatal calcula que este vírus leva a perdas de até 100% da safra e que seu combate será suficiente para alimentar mais cinco a dez milhões de pessoas. O critério que baliza a pesquisa é, portanto, a produtividade. “O uso da biotecnologia na agricultura é uma realidade no mundo inteiro. No Brasil, as grandes culturas já utilizam isso em alta escala. Os programas de melhoramento têm limitações, e a engenharia genética procura suprir essas limitações”, defende Francisco Aragão, pesquisador responsável pelo feijão.

Seleção manual

No caso das sementes crioulas, ao fim de cada safra, o produtor escolhe aquelas sementes que deram melhores resultados para a finalidade que necessita e as armazena em seu banco de sementes. No Nordeste, passou-se nos últimos anos a estimular, como política pública, o desenvolvimento de bancos de sementes coletivos, que podem ser acessados por qualquer produtor rural. 

Para os pequenos do campo, a melhor postura da Embrapa seria trabalhar na pesquisa sobre estas sementes, detectando de que maneira se pode incentivar a preservação do patrimônio genético centenário, uma leitura compartilhada por alguns setores da estatal. Maria Izabel Radomski, pesquisadora da Embrapa Florestas, acredita que deveria haver um foco sobre a agricultura familiar. Ela explica que é fácil aumentar a escala das pesquisas feitas para os pequenos produtores, ao passo que reduzir a escala do trabalho desenvolvido para grandes produtores é, via de regra, improvável. Para ela, o feijão transgênico pode implicar uma ameaça à segurança dos produtores e à soberania alimentar dos brasileiros. “A partir do momento em que você uniformiza, todo mundo planta a mesma variedade, e se ocorre uma praga, algum outro problema, coloca-se tudo em risco.”

O temor é fundamentado alguns fatores. O primeiro é que a expansão dos transgênicos, desde a segunda metade da década passada, tem significado uma concentração do patrimônio genético das sementes nas mãos de poucas empresas. Este ano, produtores de soja de Mato Grosso foram pedir ajuda da Embrapa. Queriam plantar variedades convencionais, um mercado financeiramente valioso na Europa, mas simplesmente não tinham mais grãos desse tipo, que também haviam desaparecido do mercado. O jeito foi contar com o auxílio da estatal, a única que manteve soja convencional em quantidade suficiente para atender à demanda.

A segunda questão diz respeito à perda de autonomia, e o melhor exemplo é o milho. Como a fecundação do cereal se dá por meio do vento, especialmente, lavouras vizinhas acabam se misturando. Isso significa que o milho transgênico se mescla ao convencional, e o produtor que não quer saber de geneticamente modificados acaba sem escolha – perde mercado e perde suas sementes crioulas. “Qual o papel da Embrapa? Será que é uma atuação voltada a incentivar a cultura local, a biodiversidade, ou será o de servir de ponta de lança para a fome das empresas multinacionais que exploram o setor?”, questiona Vicente Almeida, presidente do Sindicato Nacional dos Trabalhadores de Pesquisa e Desenvolvimento Agropecuário e integrante da Embrapa Impacto Ambiental.

Precisa?

Como se sabe, a Embrapa é uma empresa com linhas diferentes de trabalho. Amaury Santos, pesquisador da Embrapa Tabuleiros Costeiros, desenvolve desde 2009 um estudo com as sementes crioulas na Paraíba. Todos os anos, lado a lado são plantadas variedades com algum tipo de melhoramento genético – mas sem transgenia – e variedades crioulas. Os produtores não sabem qual é qual, para não acabarem por dar uma mãozinha às pratas da casa. As análises são qualitativas, ou seja, não se baseiam na produtividade como principal critério, dando espaço à finalidade desejada por cada trabalhador rural. Sem variações, as crioulas foram as que atenderam melhor às expectativas. “Isso não é surpresa porque essas sementes estão adaptadas àquele ambiente, àquela condição. Não há necessidade de trazer semente de fora, é valorizar a semente que está ali”, constata Santos. 

Francisco Aragão é contra a cobrança de royalties dos produtores, embora admita que a discussão está em aberto na empresa. O mais provável é que a estatal repasse as sementes a outras corporações para que as entreguem aos agricultores. Questionado sobre a possibilidade de que se perca o patrimônio genético das sementes crioulas, ele reage com certa irritação. “Se não perderam até agora a semente crioula, por que iriam perder daqui para a frente? Têm de continuar mantendo o que acham que têm de manter da mesma maneira. A menos que queiram se livrar delas. Aí é uma decisão deles.”

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