MPF contesta juíza que ignorou condenação do Brasil por crimes da ditadura

Diana Brunstein, da 7ª Vara Federal Cível, desconsiderou sentença da Corte Interamericana que determina que o país não deve usar Lei de Anistia como guarida a torturadores

São Paulo – O Ministério Público Federal (MPF) em São Paulo recorreu de decisão da juíza Diana Brunstein, da 7ª Vara Federal Cível, que ignorou a condenação do Brasil na Corte Interamericana de Direitos Humanos por conta da ditadura.

A ação civil pública proposta em 2010 por um grupo de procuradores pede o afastamento imediato e a perda de aposentadoria de três integrantes da Polícia Civil paulista envolvidos em tortura, abuso sexual, desaparecimentos forçados e homicídios durante a repressão (de 1964 a 1985). Aparecido Laertes Calandra, David dos Santos Araújo e Dirceu Gravina, os dois primeiros aposentados e o terceiro ainda na ativa, eram conhecidos pelos codinomes Capitão Ubirajara, Capitão Liboa e JC, e atuaram no Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-CODI). Eles foram reconhecidos por várias vítimas ou familiares de desaparecidos.

Em março deste ano, ao indeferir o pedido, a juíza Brunstein manifestou que a argumentação baseada na sentença do Brasil na Corte Interamericana não era válida porque esta entidade, que integra a Organização dos Estados Americanos (OEA), ainda não havia se manifestado. No entanto, foi proferida em novembro passado a condenação do Brasil no caso sobre a Guerrilha do Araguaia. A Corte avaliou que o Estado brasileiro é culpado por não envidar esforços para a localização dos restos mortais de civis mortos pela repressão e pontuou que a Lei de Anistia não deve servir como pretexto para proteger torturadores, já que as violações de direitos humanos não estão protegidas por qualquer tipo de legislação.

A magistrada paulista, mesmo alertada pelos procuradores sobre a existência da sentença, ancorou-se no entendimento de 2009 do Supremo Tribunal Federal (STF) de que a anistia aprovada em 1979 pelo Congresso foi fruto de amplo acordo da sociedade. Os termos desse pacto garantiriam perdão de eventuais crimes cometidos tanto do lado de agentes da repressão quanto de militantes contrários ao regime autoritário. 

Para Diana Brunstein, ainda que se avalie a jurisprudência internacional, amplamente favorável à punição de violadores dos direitos humanitários, não cabe ao juiz de primeira instância avaliar eventuais conflitos entre normas internas e decisões externas. “Este juízo lastreou sua decisão na forma da fundamentação e alicerçando-se no direito interno e na Constituição Federal Brasileira, não lhe competindo dirimir conflitos entre Tratado Internacional e o Direito Interno”, argumenta a magistrada, em sua decisão.

Os procuradores não entendem por que, mesmo havendo indicado à juíza que já havia a decisão da Corte Interamericana, esta sentença não foi avaliada. “Os órgãos integrantes do sistema de Justiça brasileiro não podem recusar a sentença condenatória da Corte Interamericana sob a alegação de prevalência do direito constitucional interno, pois é este mesmo direito constitucional que vinculou o Estado à autoridade do tribunal internacional”, cobra a procuradora Eugênia Gonzaga.

Ela lembra ainda que a decisão do STF sobre a Lei de Anistia diz respeito apenas à questão penal, nada tendo a ver com as punições pedidas pelo MPF, todas no âmbito civil. “A não responsabilização das graves violações ocorridas no Brasil impede a conclusão da transição à democracia e a consolidação do Estado de Direito. Certamente, dar um basta a essa intolerável inércia é de interesse de toda a coletividade”, aponta.