STF ressalta liberdade de expressão e sustenta que ‘marchas da maconha’ não fazem apologia ao crime

Todos os ministros acompanharam o relator, favorável a manifestações pela descriminalização da droga. Placar final foi unânime (8 a 0)

São Paulo – O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu de forma unânime a favor da realização das chamadas “marchas da maconha”, pela descriminalização da droga no país. Eles ressaltaram que, nesse caso, prevalece a liberdade de expressão e que não há apologia ao crime – argumento normalmente usado por juízes para proibir esse tipo de evento. Segundo o relator do processo, ministro Celso de Mello, o objetivo dessas manifestações não é estimular o consumo, mas expor ao público, de forma pacífica, uma proposta de legalização. As observações foram feitas nesta quarta-feira (15), durante julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 187, apresentada pela Procuradoria Geral da República em julho de 2009. Os ministros Luiz Fux, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Ayres Britto, Ellen Gracie, Marco Aurélio e Cezar Peluso acompanharam o relator, fechando o placar em 8 a 0.

O relator reiterou que a defesa do ponto de vista é legal, mas isso não significa permissão para uso de droga durantes as manifestações. E acrescentou: a liberdade de expressão não se limita às ideias aceitas pela maioria. Para Celso de Mello, a chamada “marcha da maconha” representa a “expressão concreta do exercício legítimo da liberdade de reunião”. A ministra Cármen Lúcia chegou a se referir ao período da ditadura (1964-1985), durante a qual reuniões públicas eram reprimidas.

Manifestações por discriminalização de drogas foram proibidas em várias cidades. Em 2008, marchas foram vedadas judicialmente em nove capitais. Juízes acataram o argumento de que os manifestantes fazem apologia ao uso de drogas, o que é proibido pelo Código Penal. A ação da Procuradoria propôs justamente uma reinterpretação do artigo que trata do tema. “O debate sobre abolição penal de determinadas condutas puníveis pode ser realizado de forma racional, com respeito entre interlocutores, ainda que a ideia, para a maioria, possa ser eventualmente considerada estranha, extravagante, inaceitável ou perigosa”, disse o ministro Celso de Mello.

Ele ressaltou, em seu voto, que devem prevalecer a liberdade de expressão e de reunião, além do direito à livre manifestação, direitos assegurados pela Constituição. Mas rejeitou pedido da Associação Brasileira de Estudos Sociais de Psicoativos (Abesup), que pretendia que a análise da ação se estendesse à permissão do cultivo doméstico e ao uso de substâncias para uso medicinal, entre outros.

“É certo que a doutrina em geral considera que existe um limite implícito à liberdade de reunião, que é a sua finalidade lícita. Porém, como salientado acima, é perfeitamente lícita a defesa pública da legalização das drogas, na perspectiva do legítimo exercício da liberdade de expressão”, sustentou o relator, em seu voto. “Evidentemente, seria ilícita uma reunião em que as pessoas se encontrassem para consumir drogas ilegais ou para instigar terceiros a usá-las. Não é este o caso de reunião voltada à crítica da legislação penal e de políticas públicas em vigor, em que se defenda a legalização das drogas em geral, ou de alguma substância entorpecente em particular.”

O ministro Luiz Fux defendeu parâmetros para a realização de manifestações, que devem ser feitas, afirmou, sem uso de armas e incitação à violência, previamente informadas às autoridades e sem estímulo ao consumo de entorpecentes. Além disso, crianças e adolescentes não devem participar. O relator respondeu que a lei já dispõe sobre a autoridade dos pais e que restrições impostas a eventos dessa natureza estão previstos na própria Constituição.

 Antítese da democracia

 Para a vice-procuradora-geral da República, Deborah Duprat – que assinou a ação em 2009, quando exercia interinamente a função de procuradora –, a “marcha da maconha” deve ser liberada, argumentando que “qualquer forma de censura sobre o conteúdo da fala e sobre o que se expressa é uma grave violação à Constituição Federal”.

Deborah afirmou que o Estado pratica a “antítese da democracia” ao impedir a expressão de minorias. E pediu que o STF interprete o Artigo 287 do Código Penal de forma a não impedir qualquer manifestação pública pela legalização de drogas – o artigo citado pela vice-procuradora sustenta que é crime fazer apologia de “fato criminoso” ou de “autor do crime”.

Ela chegou a citar o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que deu entrevistas defendendo a regulamentação do uso da maconha no país. “O ex-presidente está fazendo apologia ao crime? No que isso se distingue de quem quer discutir (o tema) em ambiente público?”, questionou.

Os ministros Gilmar Mendes (em viagem) e Joaquim Barbosa não participaram da sessão. Já Dias Toffoli se declara impedido de votar – ele era advogado-geral da União quando a ação foi ajuizada, em 2009.

O último a declarar seu voto foi o presidente do STF, Cezar Peluso. Segundo ele, a manifestação pela descriminalização da droga “não é, em si mesma, a instigação à prática de nenhum crime”, apenas expressa a defesa de mudanças na legislação. “O Estado tem de respeitar a Constituição e tomar, como em todas as reuniões, as cautelas necessárias para coibir eventuais abusos. Isso não significa que liberdade em si não mereça a proteção constitucional e o reconhecimento desta Corte”. Às 20h33, ele proclamou o resultado.

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