Ossadas em Vila Formosa são removidas, mas é remota chance de identificação de desaparecidos da ditadura

Equipes de busca retiram mais de 20 ossadas de sepulturas em cemitério da zona leste de São Paulo, mas nenhuma delas se enquadra no perfil de Virgílio Gomes da Silva, o comandante Jonas

As ossadas recolhidas esta semana são submetidas a uma triagem para ver quais passarão por análise de material genético (Fotos: Guilherme Amorim)

São Paulo – Mais de 20 ossadas foram retiradas ao longo desta semana de cinco sepulturas do cemitério de Vila Formosa, em São Paulo, na operação de busca por desaparecidos políticos da ditadura militar (1964-85). O foco desta etapa do trabalho era a localização do corpo de Virgílio Gomes da Silva, o comandante Jonas, morto pela repressão durante sessão de tortura em 1969 na capital paulista.

O processo de exumação foi acompanhado pelo Grupo Tortura Nunca Mais de São Paulo, pelo Sindicato dos Químicos e pela família de Virgílio, autores do pedido que motivou a movimentação em Vila Formosa. “A gente tem mais esperança agora que vê que os trabalhos estão acontecendo, mas entende que ainda é como buscar uma agulha no palheiro”, afirma Isabel Gomes da Silva, filha de Virgílio.

Os familiares são decisivos também para auxiliar o Instituto de Criminalística da Polícia Federal (PF) a localizar sinais que possam levar à identificação do corpo. Entre as ossadas exumadas esta semana, boa parte está em péssimo estado de conservação, o que deixa poucas esperanças quanto à possibilidade de utilização do material genético fornecido pelos parentes. O depoimento da esposa de Jonas, Ilda da Silva, é importante para excluir possibilidades. Ela informou aos policiais que o marido não tinha dentes na parte superior da arcada, o que pode servir como critério para descartar alguns corpos. 

Além disso, Jonas fraturou ossos da região do ombro durante treinamento em Cuba, pouco antes de retornar ao Brasil para comandar o sequestro do embaixador dos Estados Unidos, Charles Elbrick, em 1969. A questão é conseguir com o governo cubano a localização da ficha médica do militante para saber se foi implantado algum pino metálico que possa levar à identificação do corpo.

“Entre as ossadas retiradas esta semana não encontramos nenhuma com característica antropológica que pudesse confirmar se tratar de quem buscamos”, explica Jefferson Evangelista, da PF. Ele acredita que a maioria das ossadas será devolvida ao cemitério sem necessidade de que se submeta a exame de material genético. Em linhas gerais, ainda não é possível descartar que a ossada de Virgílio esteja entre as removidas desde segunda-feira, mas a possibilidade é remota. 

Na segunda quinzena de março, as equipes formadas pela própria PF, pelo Ministério Público Federal, pelo Instituto Médico Legal e pela Comissão sobre Mortos e Desaparecidos Políticos voltam a campo para abrir mais uma sepultura relativa ao caso do comandante Jonas. Será aberta também uma nova frente de busca pelo corpo de Sérgio Correia, militante da Ação Libertadora Nacional (ALN). Em novembro, na primeira etapa do trabalho de campo, os peritos removeram uma ossada que está em fase de identificação, mas agora, com o refinamento do processo de mapeamento da área, a intenção é abrir outras sepulturas.

Dificuldades

Desde novembro, as equipes trabalharam na leitura de mapas anteriores a 1971, quando os militares promoveram uma grande descaracterização da área. O maior cemitério da América Latina teve árvores plantadas e quadras eliminadas ou renumeradas, num grande esforço para que o trabalho que ora se realiza fosse inviabilizado. “É um desafio bastante grande, mas a intenção é enfrentá-lo integralmente”, resume Marlon Weichert, procurador da República em São Paulo.

PF

Os peritos explicam que, devido ao mapeamento e a utilização de equipamentos eletrônicos, foi possível chegar à localização da sepultura de Virgílio. Para reduzir a possibilidade de erro, foram abertas cinco sepulturas, e outra será escavada no próximo mês. Caso o corpo do militante não seja identificado entre nenhuma das ossadas, ficará mais provável a confirmação da hipótese de que o corpo de Jonas foi removido em algum momento ao longo das quatro últimas décadas.

A localização é dificultada pela absoluta falta de registro dos trabalhos do cemitério. Desde o ano passado, o MPF e os familiares têm a intenção de construir um memorial que lembre as vítimas do regime, em parte reconhecendo que a localização de todos os militantes desaparecidos será muito difícil.

Para Weichert, a construção do ponto de lembrança não deve servir como argumento para encerrar as buscas. “As pessoas que são contra o trabalho sempre vão buscar pretextos para prejudicá-lo. Mas o importante é que temos ampliado a parceria com outras instituições para que isso não ocorra. Tenho convicção de que fazendo com transparência, esse risco não existe.”

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