Tentativa de resgate de vítimas da ditadura termina nesta sexta em Vila Formosa

Na primeira frente, havia meio metro de ossos soltos, o que significa a existência de milhares de corpos (Foto: Maurício Morais) São Paulo – As equipes da Polícia Federal realizam […]

Na primeira frente, havia meio metro de ossos soltos, o que significa a existência de milhares de corpos (Foto: Maurício Morais)

São Paulo – As equipes da Polícia Federal realizam nesta quinta-feira (2) uma tentativa de exumar os corpos de vítimas do regime militar enterrados no Cemitério de Vila Formosa, na zona leste da capital paulista.

Os trabalhos estão focados agora na atual quadra 47, antiga quadra 50, onde podem estar os restos mortais de Sérgio Correia e Virgílio Gomes da Silva, militantes da Ação Libertadora Nacional (ALN) mortos em 1969. Ao longo da semana, Ministério Público Federal, Comissão sobre Mortos e Desaparecidos Políticos e Polícia Federal estão realizando um trabalho conjunto na tentativa de resgatar essa parte da história da repressão. As atividades, pelo menos nesta primeira ofensiva, serão encerradas nesta sexta-feira (3).

Ao longo dos três primeiros dias, foram trabalhadas duas frentes. Na primeira, foi possível comprovar a existência de um ossário clandestino nos quais podem estar os corpos de vítimas da ditadura (1964-85). Na segunda, a ideia é assegurar a localização exata da cova em que foram enterrados os integrantes da ALN e realizar a exumação dos corpos. O cemitério passou, na década de 1970, por uma grave descaracterização, com mudança na numeração das quadras, encurtamento das mesmas, plantio de árvores sobre túmulos e ocultação de covas. Por isso, ao longo de três dias, as equipes trabalharam para tentar reconstituir a numeração original das covas, o que foi conseguido na tarde de quarta-feira (1º).

Nesta quinta, os trabalhos estão focados no resgate do corpo de Correia, cuja localização, acredita a PF, está mais próxima da exatidão. Para chegar aos restos mortais que podem ser do militante morto na Rua da Consolação no fim da década de 1960, no entanto, é preciso realizar a exumação dos corpos que estão mais próximos da superfície: ao longo das décadas, vários enterros são feitos sobre uma mesma cova. 

Já a tentativa de encontrar as ossadas de Virgílio pode ocorrer na sexta-feira (3) ou, a depender do andamento dos trabalhos, em outra ocasião. A PF ainda não tem absoluta certeza sobre a localização da cova que pode abrigar os restos mortais do Comandante Jonas, coordenador do sequestro do então embaixador dos Estados Unidos no Brasil, Charles Elbrick. Além disso, existe a possibilidade de que as ossadas tenham sido removidas por agentes da repressão ou mesmo ao longo das décadas seguintes por falta de cuidado. 

Por outro lado, se as ossadas ainda estiverem no local, será preciso averiguar em que condições se encontram. Caso tenham ficado em contato com a terra ao longo destes anos, hipótese mais provável, o material genético pode ter sofrido um desgaste irreversível, o que impossibilitaria a comparação com a informação genética da família de Virgílio, que tenta desde 1990 a localização do corpo.

O Ministério Público Federal, com tudo isso, trabalha com a possibilidade de erguer um memorial em homenagem às vítimas da ditadura enterradas na Vila Formosa. “Se conseguirmos chegar a um resgate integral desta história, ainda que não identifique um cadáver especificamente, terá sido um avanço”, afirmou Eugênia Gonzaga, procuradora da República em São Paulo, em conversa com a reportagem, acrescentando que, desta maneira, as famílias terão uma maneira de colocar um ponto final na busca por seus parentes. 

O MPF conseguiu detectar que ao menos outros oito desaparecidos políticos foram enterrados em Vila Formosa, mas a localização destes corpos é mais difícil pelo fato de estarem em quadras que foram ainda mais desfiguradas, com aterramento, remoção de ossos e sepultamentos em diferentes posições.

Primeira frente

Na primeira ofensiva dos trabalhos, em frente ao escritório da administração foi localizado um ossário que não constava nos registros do cemitério. Com três metros e meio de profundidade e nove metros quadrados de superfície, o espaço demandou escavações durante os primeiros três dias desta semana.

Após a retirada de 92 sacos em que estavam acondicionados corpos ou fragmentos de ossos, aparentemente posteriores à década de 1980, as equipes chegaram, na quarta, a ossadas que estão soltas na terra. A avaliação dos profissionais do Serviço Forense da Polícia Federal é de que são milhares de corpos que se encontram misturados e, devido às décadas exposição a peso excessivo e umidade, o material não tem mais condições de identificação genética. 

“O objetivo daqui pra frente não é a identificação do material, mas saber o perfil do que aconteceu, por que esses ossos estavam lá, a que período pertencem”, explica Jeferson Evangelista Correa, chefe da área de Serviço Forense da PF. Ele acredita que será possível, até março, elaborar um relatório conjunto com o Instituto Médico Legal de São Paulo esclarecendo a origem do ossário.

Pelo que se apurou ao longo da semana, também por meio de depoimentos de funcionários, sabia-se da existência do local há bastante tempo. Há relatos de que, em 2002, um cruzeiro que ficava sobre o ossário foi removido, revelando a existência de corpos sob a superfície. Essas informações são reforçadas pelo fato de haver indícios claros de que a terra despejada no local é deste período, contendo lápides daquele ano.

Osvaldir Barbosa de Freitas, superintendente do Serviço Funerário do Município entre 2001 e 2004, afirmou em conversa telefônica com a reportagem desconhecer a existência do ossário. Ele afirmou que a abertura deste tipo de depósito é comum em cemitérios, servindo ao armazenamento de corpos que são exumados para a criação de novos espaços de sepultamento. Freitas acrescentou que esse procedimento, quando não apresenta nada de anormal, é feito apenas pelos administradores locais. 

A reportagem tentou, por meio do Serviço Funerário Municipal, a localização dos diretores do cemitério, mas não obteve resposta. O Ministério Público Federal informou à reportagem que vai investigar os erros das sucessivas administrações municipais e espera obter explicações sobre o porquê de não haver sido informada a existência do ossário.

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