MPF promete investigar prefeitura de SP por ossário clandestino em Vila Formosa

Administrações anteriores do Serviço Funerário Municipal terão de explicar por que registro de estrutura não foi garantido

A procuradora Eugênia Gonzaga (dir.) conversa com Pedro Pontual (centro), Eduardo Menezes Gomes, do IML, e o procurador Marlon Weichert (Foto: Maurício Moraes)

São Paulo – A representante do Ministério Público Federal (MPF) nos trabalhos de buscas no cemitério de Vila Formosa defende investigação de administrações municipais da capital paulista a respeito da existência de ossários sem registro. Na semana passada, equipes da Polícia Federal iniciaram, no cemitério na zona leste de São Paulo, buscas por ossadas de militantes políticos mortos pela ditadura militar. Eugênia Gonzaga defende ainda a criação de um memorial às vítimas do regime autoritário para servir como um local para as famílias prestarem suas homenagens.

O maior cemitério da América Latina recebeu, além de agentes da PF, o Instituto Médico Legal (IML) e a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República para tentar localizar ossários irregulares. Um dos casos mais emblemáticos é o de Virgílio Gomes da Silva, o comandante Jonas, da Aliança Libertadora Nacional (ALN), morto em 1969. A pressão da família e da viúva, Ilda Gomes da Silva, foi um dos fatores decisivos para o início dos trabalhos.

Durante a busca, foi encontrado um ossário sem qualquer registro. A falta de cuidados e do cumprimento da legislação pelo Serviço Funerário e pela administração do cemitério é o que deve motivar investigações. A avaliação de Eugênia é de que, depois de sofrer alterações propositais na década de 1970 com o intuito de ocultar corpos ocultados pelos agentes da ditadura, o ossário foi aberto por várias vezes, mas nunca registrado.

As buscas foram suspensas na sexta-feira (3) e devem ser retomadas em fevereiro de 2011.

Confira a íntegra da entrevista à Rede Brasil Atual.

Rede Brasil Atual – Durante muito tempo a família de Virgílio teve dificuldades em levar adiante as investigações. A que fatores se deve esta evolução nos últimos meses?

Eugênia Gonzaga – Finalmente está havendo vontade política por parte das autoridades – federais, principalmente – em contratar uma equipe de peritos, por meio de convênio, para poder fazer essas verificações.

Sem uma equipe teria sido muito difícil fazer esse trabalho. Eu continuo com esperança, confesso que é muito difícil a gente chegar a alguma coisa, porque o cemitério de Vila Formosa foi muito descaracterizado, não só propositalmente, na década de 1970, com o objetivo de dificultar a localização dos cadáveres dos militantes políticos, mas também por conta de uma prática usual de total descaso com os ossos de pessoas – de indigentes, de pessoas muito pobres.

Rede Brasil Atual – Sobre esse descaso, haverá investigação das administrações anteriores?

Eugênia Gonzaga – No início desta década, não só não tomaram nenhuma medida, como aterraram tudo aquilo e camuflaram totalmente embaixo de um canteiro. Até o ano 2000 ainda havia acesso àquele ossário, ele seguia clandestino, mas era utilizado e ainda era possível resgatar o que tinha lá dentro. Eles aterraram, jogaram entulho ali em cima, dificultando, impedindo totalmente qualquer trabalho de identificação. Isso é muito grave, foi feito por uma administração que já sabia da importância do achado. Vila Formosa, historicamente, é conhecido como cemitério de destino de cadáveres de militantes políticos e realmente esse ossário não deveria ter sido camuflado dessa maneira, (o caso) deveria ter sido investigado já nessa época. Claro que ainda vai ter que ser objeto de investigação sim.

Rede Brasil Atual – Há outras duas frentes de busca aqui em São Paulo, em Parelheiros e em Perus. Como estão esses trabalhos?

Eugênia Gonzaga – Perus está bem adiantado, as ossadas que tinham maior probabilidade de pertencerem a desaparecidos políticos estão sendo analisadas, já está sendo extraído material genético para fazer exames de DNA. É um tipo de osso muito difícil de trabalhar, porque eles ficaram em condições de tempo, de umidade, de calor, que não favorecem a conservação. Mas está sendo analisado. Eu tenho bastante esperança de que em breve a gente consiga ter alguma notícia em relação a, por exemplo, à ossada do Dimas Casemiro, que está pendente de análise.

Em Parelheiros, detectamos que também há uma espécie de ossário clandestino, só que lá a gente acha que é de mais uma irregularidade administrativa. A gente não encontrou ligação entre esse tipo de ossário de Parelheiros e os desaparecidos políticos.

Rede Brasil Atual – Quais serão os próximos passos aqui em Vila Formosa?

Eugênia Gonzaga – Nós aguardamos dos peritos um relatório sobre os ossos que foram retirados ontem (quarta-feira 1º), um diagnóstico sobre a data aproximada desses ossos e precisamos agora fazer com que os órgãos públicos responsáveis – município, estado e União – para que eles nos apresentem uma solução daquilo que eles podem fazer independentemente de uma ação do Ministério Público Federal. Se eles não sugerirem nada, a gente vai ter de estudar qual a medida judicial cabível.

Rede Brasil Atual – O caso de Virgílio é um em que, sem a atuação da família, teria ficado esquecido. Qual a importância da mobilização da sociedade para levantar essas questões?

Eugênia Gonzaga – É fundamental a participação da sociedade, das organizações, porque as autoridades mudam; o Ministério Público Federal hoje tem uma, duas pessoas envolvidas, amanhã pode não ter, e é natural que seja assim. Nós nem podemos ter um envolvimento pessoal com o tema. É graças aos familiares que isso ainda está sendo feito, porque realmente as autoridades do passado optaram por uma política de esquecimento em relação a tudo que se refere a essa transição da ditadura para a democracia, inclusive a localização dos cadáveres, que é uma coisa séria e grave. Nós achamos que foi feito um trabalho muito lento, sem apoio dos órgãos oficiais. Só mesmo com a cobrança da família, da sociedade civil organizada para que isso possa ter sequência.

Rede Brasil Atual – A construção de um memorial, a esta altura que já se sabe do estado das ossadas resgatadas, é a saída para o caso?

Eugênia Gonzaga – É o mínimo que pode ser feito diante do absurdo que é suprimir de uma família o direito de enterrar o seu ente querido. E, agora, se nós conseguirmos chegar pelo menos a um memorial, a um resgate integral dessa história, ainda que a gente não consiga chegar a um cadáver específico, eu acho que já vai ter sido um avanço, porque hoje, como diz a viúva do Virgílio, eles não têm um local para depositar flores, para queimar uma vela, coisas que são tão básicas para muitas famílias, e eles não têm nem isso.

Rede Brasil Atual – Sabe-se de dez casos de desaparecidos políticos aqui no cemitério. Qual a situação desses outros casos?

Eugênia Gonzaga – Os outros casos estão em outras quadras, que foram ainda mais descaracterizadas do que esta. Então, nós elegemos como prioritária essa quadra, a 47, antiga número 50, por dois motivos: porque parece que o trabalho aqui estaria mais fácil para fazer a localização das sepulturas, e porque toda essa investigação teve início por conta da família do Virgílio Gomes da Silva. Portanto nós priorizamos essa quadra por causa disso.

O trabalho nas outras vai depender muito dos resultados nessa quadra porque se, nessa daqui, em que a topografia, as fotos ajudam um pouco mais, se aqui a gente não conseguir chegar a nada, nas outras vai ser ainda mais difícil. A gente tem o relato de que nas outras, as pessoas foram aterradas, foram sepultadas em outro sentido, em cima das sepulturas antigas, foi feita a limpeza de quadra antes de fazer o aterramento. É uma situação muito difícil para a gente chegar a algum cadáver.

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