Grupo católico argentino vê homossexualidade ‘fora da ordem natural”

Advogado considera que matrimônio está voltado à procriação e avisa que, se Congresso argentino aprovar casamento entre pessoas do mesmo sexo, vai estudar ação na Justiça

Buenos Aires – Eduardo Sambrizzi é um homem alto, de cabelos brancos e olhos claros. Descendente de uma das muitas famílias italianas que se mudaram para a Argentina ao longo dos séculos XVIII e XIX, é um advogado formado em Direito pela Universidade de Buenos Aires e há mais de três décadas integra a Corporação de Advogados Católicos.

Série: A várias vistas

A organização, criada há 70 anos, reúne em torno de 300 membros. Atualmente, a discussão sobre o matrimônio entre pessoas do mesmo sexo tem levantado discussões acaloradas na Argentina e gerado repercussão entre os advogados. Alguns resolveram apresentar recursos à Justiça pedindo o cancelamento das quatro uniões autorizadas até agora, incluindo a união entre Norma Castillo e Ramona Arévalo.

 

Há basicamente dois argumentos usados nos pedidos de cancelamento. Um deles leva em conta que o Código Civil prevê que o casamento entre pessoas do mesmo sexo é inexistente – bem como quando não há consentimento de uma das partes. O outro aponta que os casamentos autorizados até agora foram fruto de aval de juízes municipais, sendo que o tema caberia a juízes de Direito de Família.

“Por isso, no caso dessas duas senhoras, um juiz civil, que é o competente neste tipo de casos, declarou a inexistência do ato, ainda que houvesse uma sentença anterior, de um juiz que a meu ver não é competente, ordenando o casamento”, afirma Sambrizzi.

No escritório em que tem em parceria com o filho, sediado na Rua Viamonte, centro de Buenos Aires, o vice-presidente da Corporação de Advogados Católicos recebeu a reportagem para uma conversa. O escritório aparentemente pequeno vai aumentando à medida que se avança por um corredor até chegar à sala de Sambrizzi. Lá, em uma mesa espaçosa, tendo atrás de si livros de uma grossura incalculável que só podem ser produzidos pela advocacia ou pela religião, ele expôs sua opinião sobre o casamento entre pessoas do mesmo sexo.

Ordem natural

“Está totalmente contra a ordem natural. A ordem natural implica a união de um homem e uma mulher. A união de dois homens e duas mulheres não está dentro do que se considera a ordem natural. A atração física em geral é entre um homem e uma mulher. Se vamos ver do ponto de vista da maior quantidade de gente, e consideramos que o que ocorre em maioria é o normal, é anormal a união entre pessoas do mesmo sexo.”

Motivos para ser homossexual

“É algo multidisciplinar, tem questões médicas e psicológicas. Ainda não se está muito de acordo sobre qual a causa. Há quem diga que é algo que falta na pessoa. Não sou médico, seria melhor que se pergunte a eles. Mas digo que não tenho nada contra os homossexuais. Tenho boa relação com alguns, mas simplesmente não podem se casar.”

Congresso pode aprovar lei específica

“Não estamos de acordo (com a lei específica que autorizaria casamentos homoafetivos). O matrimônio não deve ser entre duas pessoas do mesmo sexo. O matrimônio está orientado à família, e a família depende da procriação. A procriação depende de duas pessoas de sexos diferentes. A sexualidade também está voltada à fecundação basicamente. É algo que depende da ordem natural.

E não é um tipo de discriminação. A lei não proíbe os homossexuais de se casarem. A norma que diz que deve haver um homem e uma mulher para conceber o matrimônio está dirigida a todo mundo. A homossexuais e a não homossexuais. Isso é o que estabelece o Código Civil e é lógico que seja assim. Para que a raça humana continue. Por isso o Estado deve privilegiar uniões entre pessoas de diferentes sexos. A união entre pessoas do mesmo sexo, não tenho nada a dizer. Os homossexuais são tão dignos quanto qualquer pessoa, mas daí a casar-se, não. A família depende de procriação”

Adoção

“Estou totalmente contra (a adoção por casais homoafetivos). Isso é muito ruim para o adotado. Em nossa lei de adoção, a única possibilidade permitida é que adotem pessoas sozinhas ou casadas, mas não (casadas) com o mesmo sexo. Os homossexuais podem adotar, mas o juiz levará sempre em conta o interesse superior da criança. Essa é a questão central: se é bom para a criança.

Então, parece-me que o interesse da criança não está resguardado quando é adotada por duas pessoas do mesmo sexo. A educação desse menino não terá claramente sua sexualidade, além de problemas que pode ter na interação com outros meninos. Imagino-o em um colégio convidando amiguinhos à sua casa, que então veem que tem dois pais, duas mães. Pobre dele, sabe como são os meninos. Há certa possibilidade de que isolem um pouco o amigo, que lhe façam piadas. Sobretudo pode criar uma confusão para a sexualidade do menino, isso não é bom.

É muito mais lógico que seja adotado por um pai e uma mãe, que tenha uma figura materna e uma paterna, uma polaridade sexual. Isso é o ideal.”

Pós-aprovação no Congresso

“Ainda não pensamos nisso e falta muito para que o Congresso aprove. Obviamente poderíamos levantar alguma questão, sobretudo tendo em conta que, na Constituição argentina, no artigo 75, inciso 22, estão incorporados distintos tratados e convenções internacionais. Dentro desses tratados se fala que devem se casar um homem e uma mulher. Ou seja, uma lei seria inconstitucional. Agora, se vamos fazer algo, não posso adiantar porque isso decide a comissão.”

Questão religiosa

“Não somente os católicos estamos contra. E há católicos a favor. Não é uma questão religiosa. O fato de a Corporação de Advogados Católicos estar contra isso não quer dizer que seja uma questão religiosa. Menos ainda da religião católica. O judaísmo está contra. Os evangélicos estão contra. As religiões protestantes estão contra. O Islã está totalmente contra. Não é um problema religioso. O matrimônio entre pessoas do mesmo sexo encontra raiz na ordem natural, antes de qualquer religião. Que estejamos contra não significa que sejamos os únicos.”

 

A várias vistas
A série A várias vistas narra o primeiro casamento entre mulheres da história da América do Sul. Norma Castillo e Ramona Arévalo, ambas de 67 anos, casaram-se em abril deste ano, em Buenos Aires, depois de 30 anos de convivência. A união foi autorizada por uma das decisões judiciais favoráveis concedidas nos últimos meses. Mas nem tudo são flores nessa história, e ainda deve haver mais resistência à oficialização do casamento.

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