Concentração de terra legitima luta por reforma agrária, diz pesquisador

Sérgio Sauer, em audiência na Câmara, criticou criminalização dos movimentos sociais (Foto: Brizza Cavalcante/Agência Câmara) São Paulo – Alta concentração fundiária no Brasil legitima movimentos sociais como o MST, segundo […]

Sérgio Sauer, em audiência na Câmara, criticou criminalização dos movimentos sociais (Foto: Brizza Cavalcante/Agência Câmara)

São Paulo – Alta concentração fundiária no Brasil legitima movimentos sociais como o MST, segundo o professor Sérgio Sauer, da Universidade de Brasília (UnB). Em audiência pública na quarta-feira (14), na Comissão de Legislação Participativa da Câmara dos deputados, especialistas discutiram violência no campo e a tentativa de criminalização dos movimentos sociais.

Segundo dados do Censo Agropecuário, o Brasil possui a maior concentração fundiária do mundo e mostra a exclusão social e marginalização das populações do campo. Sauer destacou que o levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostra 75% de analfabetismo na população rural.

“Esses dados insossos dão legitimidade ao MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra) e movimento sociais”, afirma Sauer. Por isso, ele criticou a criminalização do MST.”Estão atribuindo a pessoas ou grupos ações criminosas que esse grupo não cometeu”, alerta.

Para Sauer, em caso de mortes de agricultores sem-terra, cria-se uma empatia entre a vítima e a sociedade, enquanto o processo de criminalização tira a legitimidade das lutas sociais. A criminalização explicita também uma disputa por recursos públicos, já que setores da elite, incluídos os ruralistas, historicamente são contemplados com incentivos fiscais – além de desvios por meio de corrupção, segundo o professor.

Entre as acusações que os ruralistas fazem contra o MST a que se destaca é que o movimento estaria usando recursos públicos para invadir terras, lembra Sauer. “No passado, a população empobrecida não tinha acesso aos recursos públicos; hoje, por conquistas sociais, estão acessando e a elite quer interromper esse processo porque considera que ela não tem esse direito”, resume o professor.

Stédile disse que, aproveitando as palavras do professor Sauer, o Brasil enfrenta três problemas gravíssimos – a pobreza injustificada, a desigualdade social e a exclusão do acesso ao conhecimento. Segundo ele, todas as sociedades chegaram à conclusão de que esses problemas são resultado da concentração da terra.

“Nós já identificamos que se não desconcentramos a terra, que é um bem da natureza, não é fruto do trabalho, dificilmente se consegue resolver os problemas”, afirmou, acrescentando que “no Brasil existe o agravante do País ter sido o que sofreu a escravidão por mais tempo – durante 400 anos, o que criou raízes que existem até hoje na propriedade da terra, no tratar a natureza e os excluídos.”

João Pedro Stédile, representante da coordenação nacional do MST, fez um histórico da luta pela reforma agrária, destacando que foram perdidas cinco oportunidades para que o país acompanhasse o exemplo dos países industrializados, que só se desenvolveram depois de fazerem a reforma agrária.

Para ele, há cinco formas de acelerar a reforma agrária. Os pontos elencados envolvem desapropriar latifúndios com grandes dívidas – por estarem falidos –, terras griladas e flagradas com trabalho escravo, além de áreas em posse de empresas estrangeiras. “Somente com essas terras já daria para assentar mais de um milhão de famílias”, afirmou Stédile.

Stédile sugere que o governo faça a reforma agrária começando pelos grandes latifúndios, sem afetar as médias e grandes propriedades. E estimule a agroindústria para empoderar agricultor e aumentar renda. Para isso, é preciso enfrentar as grandes empresas transnacionais, lembrando que o setor de leite no Brasil é explorado por apenas três indústrias estrangeiras – Nestlé, Batavo e Parmalat.

Com as propostas na ponta da língua, o líder camponês disser ainda que é preciso mudar as técnicas agrícolas – sem veneno e sem máquina. Ele destaca que os dois elementos hoje existentes na agricultura brasileira pode render muito dinheiro, mas é incompatível com a natureza.

Violência

Durante a audiência, os deputados Paulo Pimenta (PT-RS), presidente da Comissão, e Dr. Rosinha (PT-PR), coordenador nacional da Frente Parlamentar da Terra, lembraram o massacre de Eldorado de Carajás, ocorrido em 17 de abril de 1996, quando 19 lavradores foram assassinados e centenas sofreram ferimentos graves, com sequelas. Apenas dois dos 155 policiais militares acusados foram condenados e cumprem a pena em liberdade.

Outros casos de violência no campo citados foram o sindicalista Chico Mendes, o Padre Josimo Tavares e, mais recentemente, da missionária Dorothy Stang. Conforme dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT), de 1985 a 2009 ocorreram 1.546 mortes no campo. No ano passado, foram 25.

Números da desigualdade

Os dados do Censo Agropecuário dão conta de que, no Brasil, mais da metade da população detém menos de 3% das terras e 46 mil pessoas detém quase metade das terras. A estrutura fundiária do Brasil é a mesmo desde o Brasil império. A luta pela terra dos últimos 25 anos e a política de assentamento ainda não foram suficientes para alterar a concentração de terra no Brasil. “Isso justifica a existência do MST e movimentos sociais”, enfatiza o professor Sauer.

Os latifundiários com terra acima de dois mil hectares, que são apenas 15 mil fazendeiros, detêm 98 milhões de hectares. Já os estabelecimentos rurais de menos de 10 hectares ocupam menos de 2,7% da área. Os estabelecimentos de mais de mil hectares, que correspondem a apenas 0,91% dos proprietários (menos de 50 mil), concentram mais de 43% da área agricultáveis (cerca de 146 milhões de hectares).

As desigualdades se estendem aos números sobre ocupação da mão de obra no campo. A agricultura familiar, que detém cerca de 24% das terras, ocupa 75% dos trabalhadores do campo. O setor patronal, que tem quase 75% das terras, ocupa apenas 25% da mão de obra.

Com informações do Vermelho