Pesquisador aponta que desafio é institucionalizar políticas contra racismo

Pró-reitor da Universidade do Estado de Santa Catarina entende que, depois de garantir ingresso no Ensino Superior, negros devem ter políticas para assegurar ingresso na pós-graduação

Especialista no estudo de políticas afirmativas de combate à discriminação, Paulino de Jesus Francisco Cardoso entende que as cotas foram fundamentais para a inclusão dos negros nas universidades, mas avalia que é hora de dar um passo adiante. Para o pró-reitor da  Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc) e integrante do Núcleo de Estudos Afro-brasileiros da mesma instituição, é necessário pensar em políticas que possibilitem o ingresso dos negros na pós-graduação, passo fundamental para resolver a desigualdade racial nos quadros docentes das principais instituições de ensino brasileiras.

Para o professor, sem dúvida houve avanços nos últimos anos, como a Lei 10.639 de 2003, que prevê o ensino de história e de cultura africanas nas escolas. Vendo que a implementação da medida não avançava, o Ministério da Educação (MEC) e a Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir) elaboraram um plano para acelerar o funcionamento das práticas. Na avaliação de Paulino Cardoso, o que se vê até o momento dentro de sala de aula é muito pouco sobre as populações de origem africana.

Em virtude do Dia da Consciência Negra, celebrado em mais de 700 cidades em todo o Brasil nesta sexta-feira (20), a Rede Brasil Atual ouviu integrantes de movimentos e especialistas que trabalham em diversas áreas relacionadas à questão da desigualdade racial. 

A seguir, a entrevista com Paulino Cardoso.

RBA – Como o senhor avalia a implementação das medidas previstas na lei 10.639?

Entrevista

Paulino de Jesus Francisco Cardoso

pró-reitor da  Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc) e integrante do Núcleo de Estudos Afro-brasileiros

A primeira questão é a própria existência da lei, que consagra 70 anos de lutas de educadores antirracistas por uma educação voltada para a diversidade, em especial pela valorização das populações de origem africana. Estabelece uma norma institucional que possibilita mais espaço tanto para aqueles que estão no movimento social quanto para pais e estudantes lutarem.

Agora, pensando em relação àquilo que é implementado, estamos muito aquém. Se você pensar nos sistemas federal, estaduais e municipais, o número de universidades que implementaram nas licenciaturas essa questão é muito pequeno. Da mesma forma, são raros os sistemas estaduais de ensino que regulamentaram a lei.

Acho que houve um avanço importante, que foi a ação do governo federal destinando recursos para a institucionalização de núcleos que, em troca, produzem material didático para os professores. O Ministério da Educação, em conjunto com os movimentos sociais, criou planos para implementação da lei.

RBA – A seu ver, nas escolas em que ainda não foi implementada a lei, qual a história do Brasil que se ensina hoje?

Acho que aquela imagem mais antiquada, do início da República, de uma história só de grandes heróis deixou de existir. Na maior parte dos materiais didáticos produzidos há uma imagem muito melhor da população de origem africana.

Porém, vemos muito pouco acerca dessas populações, e quase nada da história da África. São áreas que ainda estão em implementação no Brasil. Para que se tenha uma ideia, programas de formação de professores foram implementados há uns poucos anos e apenas em dois ou três lugares.

RBA – Exatamente nesta questão das universidades, a maior parte delas, e as maiores do país, têm pouquíssimos professores negros. Seria o caso de pensar em uma política afirmativa também nesse caso?

Sem dúvida alguma. Mas o ponto fundamental é a pós-graduação. De um modo significativo, os negros estão entrando na graduação com o ProUni e com as ações afirmativas, e o problema é a pós-graduação, em que há um número pequeno de estudantes de mestrado e de doutorado. Sem isso, fica muito difícil entrar na universidade como professor.

Além disso, a forma como são feitos os concursos públicos, eles são absolutamente subjetivos. Você não tem garantia alguma de que os aprovados o serão por mérito ou se fazem parte das redes de relações estabelecidas. O problema fundamental é não ter um concurso efetivamente republicano para que todos possam participar em pé de igualdade.

Então, são dois problemas: aumentar o número de estudantes negros na pós-graduação e a elaboração dos concursos públicos. A universidade precisa questionar o porquê de não ter professores de origem africana.

RBA – Já levamos alguns anos de implementação das cotas e persistem algumas das críticas iniciais, como a de que isso poderia gerar algum tipo de enfrentamento dentro das universidades. Como o senhor vê essas críticas?

As políticas afirmativas, em especial as cotas, é bom lembrar que foram apresentadas pelo governo Fernando Henrique Cardoso. O governo, durante a Conferência da ONU contra Racismo e Xenofobia (África do Sul – 2001), foi autor da proposta. O interessante é que em uma década temos cerca de 90 universidades públicas que implementaram as cotas e têm uma situação muito tranquila.

Em toda parte a avaliação é de que os estudantes cotistas têm desempenho igual ou superior. O índice de evasão dos não-cotistas é maior. O processo tem sido muito interessante, com impacto positivo e absolutamente nenhum enfrentamento.

RBA – Além da Conferência da ONU que o senhor citou, quais os marcos recentes na questão da consciência negra?

Em 1991, um bando de estudantes da PUC de São Paulo fez um seminário sobre superar os desafios dentro do movimento negro. Desde 1970 vínhamos denunciando a desigualdade racial. O grande desafio é mostrar que o problema é da sociedade como um todo. Hoje, sem dúvida alguma, a agenda do movimento negro faz parte da política pública.

A maioria da população brasileira reconhece a existência de desigualdades sociais e tem se posicionado favoravelmente ao combate do problema. Nossa tarefa é a institucionalização dessas políticas. O entendimento, por fim, de que as populações jovens de origem africana são as principais vítimas da violência policial. Os cuidados especiais na saúde, como glaucoma e hipertensão arterial. Agora, o principal desafio não é traçar políticas, mas manter mobilizadas as ações antirracistas.

Recentemente foi apresentada uma pesquisa feita entre as 500 maiores empresas do Brasil. Apenas 3% dos cargos gerenciais são preenchidos por negros. E, pasmem, cargos técnico-administrativos têm apenas 10% de negros entre os empregados. Ou seja, nem pra faxineiro, meu amigo, o negro é contratado.

Sem contar que as empresas sabem muito bem que as melhores são aquelas cuja equipe de colaboradores reflete a diversidade populacional existente na comunidade em que está. No Brasil, as empresas não têm implementado políticas.

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