Anistia a Paulo Freire lembra que ditadura foi duro golpe para alfabetização

Presidente do Instituto Paulo Freire aponta que anistia só estará completa quando não houver analfabetos no país e integrante da Comissão de Anistia ressalta que caso do educador tem forte peso simbólico

A viúva do educador, Anita Freire, terá direito a receber R$ 100 mil em parcela única quando for publicada a decisão (Foto: Elza Fiúza. Agência Brasil)

A decisão da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça de conceder a condição de anistiado político a Paulo Freire faz jus ao educador, na avaliação de estudiosos e admiradores do homenageado.

Doze anos depois de sua morte, Paulo Freire comoveu os 3 mil presentes à cerimônia realizada esta semana em Brasília. A Comissão de Anistia manifestou que o caso é um pedido de desculpas do Estado brasileiro aos milhões que deixaram de ser alfabetizados por Freire.

O golpe de 1964 interrompeu o Plano Nacional de Alfabetização, que tinha se iniciado pouco tempo antes e que visava erradicar o problema no Brasil levando em conta os métodos de Paulo Freire. O instrumento dedicava atenção tanto ao aprendizado de ler e escrever quanto à formação política e social dos cidadãos.

Moacir Godatti, presidente do Instituto Paulo Freire e professor aposentado da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, considera que a extinção do plano e a perseguição de seus idealizadores foi um abalo muito forte para a educação brasileira. “Do ponto de vista da alfabetização, tratou-se de um duro golpe que estamos sofrendo até hoje. A taxa de analfabetismo caiu, mas o número de brasileiros analfabetos é o mesmo de quando Paulo Freire foi para o exílio, ou seja, 15 milhões de pessoas”, afirma à Rede Brasil Atual.

Na ocasião, o educador foi aposentado compulsoriamente da cadeira de professor de História e Filosofia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Depois de 70 dias na prisão, Paulo Freire partiu para o exílio, do qual retornou apenas em 1980.

A ação de reparação foi movida por Anita Freire, esposa do educador, casada com ele depois da volta do exílio. Emocionada, ela falou durante a cerimônia em Brasília: “Hoje, Paulo, você pode descansar em paz. Sua cidadania plena, sem vazios e sem lacunas, foi restaurada, como você queria, e proclamada, como você merece”.

Para Moacir Godatti, no entanto, ainda falta um passo importante. “Do ponto de vista da causa, a anistia acontecerá de maneira plena quando não houver mais analfabeto no Brasil. É uma dívida que ainda não foi paga”, ressalta.

Por unanimidade

O principal critério utilizado pela Comissão de Anistia é a comprovação de perseguição política. Para isso, são utilizados os documentos disponíveis no arquivo do Sistema Nacional de Informação (SNI), órgão da ditadura militar para a repressão, e documentos do Superior Tribunal Militar.

No caso de Paulo Freire, além da comprovação por escrito, estava em questão um caso notório de perseguição. Por isso, José Carlos Moreira da Silva Filho, um dos conselheiros da comissão, relata que o julgamento do caso do educador transcorreu com absoluta tranquilidade, com aprovação por unanimidade.

A viúva Anita Freire terá direito a receber R$ 100 mil, que é o teto da reparação concedida em prestação única – 30 salários mínimos para cada ano de perseguição.

José Carlos Moreira da Silva Filho, também professor do curso de pós-graduação em direito da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos – RS), teceu elogios ao presidente da Comissão de Anistia, Paulo Abrão, pelo pedido de desculpas aos milhões de brasileiros que deixaram de ser alfabetizados.

“Muitas vezes, a gente, que está envolvido nessa questão de reparação dos perseguidos da ditadura o tempo inteiro, vê nas mais diversas áreas o quanto a repressão e a imposição de um determinado modelo evitou que muitas coisas pudessem ocorrer”, destaca em conversa com a reportagem.

A decisão foi elogiada também pelo presidente Lula, que se manifestou em comunicado: “Anistiar Paulo Freire é libertar o Brasil da cegueira moral e intelectual que levou governantes a considerarem inimigos da pátria educadores que queriam libertar o País da cegueira do analfabetismo”.

Na Rede de Educação Cidadã, a notícia foi bem recebida. O órgão, fundado em 2003 e inicialmente colocado dentro das ações da Presidência que acompanhavam o Fome Zero, trabalha com educação popular em todo o país. Vera Lúcia Lourido Barreto, integrante da equipe nacional da rede, avalia que foi uma experiência ousada da Comissão de Anistia. “É um momento histórico que a gente vive, de quebra de paradigma. Foi um momento de muita emoção, privilegiado para os jovens que estavam ali, eles viveram um momento da história que as escolas não”, afirma.

Os próprios integrantes da Comissão de Anistia admitem que o caso de Paulo Freire foi especial. José Carlos Moreira da Silva Filho considera que a decisão se insere entre os casos paradigmáticos, como os do presidente João Goulart e do ex-governador Leonel Brizola. “Tem um peso simbólico muito forte. Para nós, professores, os que têm compromisso com a educação, anistiar Paulo Freire tem um significado importante”, avalia.

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