Famílias da ocupação Alto Alegre continuam na rua uma semana após despejo

Das 980 famílias, 240 não têm para onde ir. Oficiais de Justiça ficaram indignados porque, no mandado de reintegração de posse, havia menção a apenas seis famílias

Famílias acampam em barracos de lona sem sanitários e cercado de muita lama. Comida e água potável são escassas (Foto: Anderson Barbosa)

As famílias despejadas no dia 21 da ocupação Alto Alegre, na zona leste de São Paulo (SP), mantêm-se acampadas na região. Sob forte pressão policial, as 240 famílias estão em frente ao Centro Educacional Unificado (CEU) Alto Alegre, embaixo de uma rede elétrica de alta tensão.

Ligadas aos movimentos de Moradia Terra de Nossa Gente (MMTNG) e Movimento Sem-Teto pela Reforma Urbana (MSTRU), associados à Frente de Luta por Moradia (FLM), as famílias acampam em barracos de lona sem sanitários e cercado de muita lama. Comida e água potável são escassas. Uma fonte próxima, possivelmente contaminada, é usada inclusive para consumo pelas pessoas.

Apesar da situação, de acordo com uma das coordenadoras do acampamento, Maria do Planalto, a resistência das famílias supera a situação calamitosa em que estão submetidas. “Nestes quase sete meses de ocupação ganhamos força. Mesmo na rua não vamos desistir”, avisa.

“Não tivemos nenhuma garantia legal nas conversas, apenas palavras. Não há outra interpretação, fomos enganados pelo poder público”, critica Maria do Planalto.

A coordenadora afirma que a negociação com a prefeitura, o governo estadual e federal foi buscada, inclusive com reuniões conjuntas entre representantes dos três níveis de governo. “Tínhamos a garantia do governo do estado de que a reintegração não aconteceria até que uma solução fosse encontrada, mas as famílias foram surpreendidas de madrugada com a tropa e choque”, descreve.

Famílias da ocupação Alto Alegre continuam na rua uma semana após despejo (Foto: Renata Bessi)

Para o coordenador da FLM, Osmar Borges, outro fator que causou indignação, até mesmo nos oficiais de Justiça que foram executar o despejo, foi o erro no processo Judicial, intencional ou não. “Os oficiais ficaram indignados, pois no processo contava que apenas seis famílias viviam no local, mas na verdade estavam em mais de 900 famílias, das quais 240 não tiveram outra alternativa senão a rua”, indigna-se o coordenador.

Perfil das famílias

As famílias ocuparam o terreno em 13 de abril deste ano vindas de situação de rua, de despejos de áreas de manancial ou de ocupações não regularizadas e de despejos por falta de condições de manter em dia o aluguel.

A família de Reginalda Santana Modesto, 37 anos, mãe de quatro filhos, passou por três despejos com as crianças por não conseguir pagar aluguel. “Só quem já passou por isso sabe a humilhação que é ter de pagar aluguel mas não ter o dinheiro no final do mês para arcar com a despesa”.

Reginalda lembra que o perigo da falta de moradia rondou também toda sua infância. “Éramos em nove irmãos e meu pai sempre pagou aluguel. Depois de 35 anos de trabalho, passando muitas privações, meu pai conseguiu comprar uma casa”, narra. A história segue trágica, porque ele morreu dois anos depois.

Famílias da ocupação Alto Alegre continuam na rua uma semana após despejo (Foto: Renata Bessi)

Para ela, a ocupação, além de ser uma necessidade, é um ato político. “Estamos aqui para mostrar que na cidade de São Paulo existem famílias que não têm onde viver e não possuem outra saída a não ser se submeter a condições subumanas”.

Everton Pereira, de 22 anos, também acampado na rua junto da filha, esposa, mãe, padrasto e dois irmãos, afirma que tudo o que estão passando é um teste de sobrevivência. “Olha para isso tudo, vivemos literalmente na lama”, aponta para as crianças que brincam no lodo. “Deviam inventar um novo ditado: pobre que come não paga aluguel e aquele que paga aluguel não come”, afirma com indignação.

Pereira, que trabalhava como porteiro e está desempregado, resume como tem sido sua vida nos últimos meses: “Com a vida abrigada por uma lona não conseguimos ter uma noite de sono em paz”.

Vulnerabilidade

Sem um teto, a vida humana está exposta a todo tipo de incerteza e desastre. Maria do Planalto conta que uma criança com sede, na primeira noite de acampamento, bebeu água sanitária pensando que era água. “Ficou no hospital até ser desintoxicada”, conta.

No dia do despejo, Geralda Graziele, de 59 anos, sofreu uma paralisia facial e teve que ser socorrida às pressas com toda a pressão policial e a insegurança de viver na rua.  “Minha pulsação chegou a quase 200 por minuto”, conta. Agora seu rosto já não está tão deformado. “Faço certinho os exercícios que o médico me passou”. Depois de quatro dias, ainda em recuperação, Geralda voltou para a vida na lona. “Quem não luta está morto”, afirma. 

Histórico

As 980 famílias que viviam na ocupação Alto Alegre, distrito de São Mateus,  sofreram reintegração de posse durante o dia 21. A data inicial determinada pela Justiça para o despejo havia sido 14 de outubro. Em reunião com as famílias, a Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado de São Paulo (CDHU) havia garantido a prorrogação do prazo até que, pelo menos, saísse o atendimento emergencial. Isso não ocorreu e as famílias foram surpreendidas pela Tropa de Choque na madrugada da quarta-feira.

O terreno de 280 mil metros quadrados na rua Bento Guelf foi ocupado pelas famílias em 13 de abril deste ano. A propriedade particular possui histórico de ocupações irregulares e grilagem de terra. O proprietário responde processo por crime ambiental já que desmatou, sem autorização, toda a área. Apesar do crime cometido, ele não sofreu ainda nenhuma condenação. Além disso, possui dívida de pelo menos R$ 2 milhões junto ao Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

A FLM, desde a ocupação, vem fazendo tentativas de negociação com a prefeitura e o governo do estado para que haja a expropriação ou desapropriação da área. O governo municipal havia agendado na semana passada o cadastro de todas as famílias para o atendimento emergencial. Mas foi adiado por várias vezes e não foi efetivado.

A Frente abriu diálogo ainda com o governo Federal, por meio do Ministério das Cidades. A instância Federal se comprometeu em disponibilizar recursos para a construção de unidades habitacionais, pelo Programa Minha Casa, Minha Vida ou pelo Fundo de Promoção Social à Moradia. Mas para isso, precisa do compromisso da CDHU para viabilizar o terreno.

O acampamento ficava ao lado do CEU Alto Alegre, cuja terra, 34 mil metros quadrados, foi desapropriada do mesmo dono em benefício da Secretaria Municipal e Educação. O antecedente indica que áreas vazias já passaram por intervenção para que ganhassem função social. A FLM luta para que a destinação da área seja para moradia de interesse social.

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