Brasil é chamado a dar explicações na OEA no fim do mês

Abandono, violência, tortura, superlotação e falta de assistência de saúde, jurídica e social ainda são comuns no presídio que só perde em mortes violentas para o extinto Carandiru

Urso Branco ainda é palco de tortura e Brasil é chamado novamente a dar explicações na OEA (Foto: Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia)

O Brasil foi chamado para uma audiência pública no dia 30 de setembro para explicar diante da Corte Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA) que medidas vêm tomando em relação ao presídio José Mário Alves, em Rondônia, conhecido como Urso Branco, palco de inúmeras rebeliões desde 2002 e cenário de mais de 100 mortes violentas de presos.

Um desafio ainda sem solução em relação à garantia dos direitos humanos, o caso foi a primeira medida da Corte voltada para país que aceitou a jurisdição do tribunal em 1998. Em 2002, a Corte inquiriu o Brasil a garantir a vida e integridade física de todos os internos, adequar as condições da unidade a padrões dignos de cumprimento da pena e investigar e responsabilizar judicialmente os responsáveis pelos assassinatos, fatos que ainda não foram solucionados completamente.

A advogada da organização não-governamental Centro de Justiça Global, Tamara Melo, que juntamente com a Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de Porto Velho apresentaram as denúncias contra o Estado brasileiro falou sobre a audiência à Rede Brasil Atual. “É uma oportunidade de reunir frente a frente todos e discutir as implementações que, no nosso entender, não estão ocorrendo”, resume. “Ainda tem tortura”, revela Tamara. “Com frequencia recebemos denúncias de que os presos ou são baleados ou sofrem maus tratos”, diz a advogada.

O Estado alega que de 2008 para cá não houve mortes, a última ocorrida em 2007, do preso José Antônio da Silva Junior, morto com um tiro na cabeça. “Não significa que a vida dos presos está assegurada”, diz Tamara, que visitou o Urso Branco há 20 dias. “Visitei quatro presos no hospital que foram baleados por agentes penitenciários. Uma situação absurda que ninguém soube explicar”, protesta.  O caso está sendo investigado e nenhum responsável foi apontado até o momento.

Segundo o relatório da Justiça Global de 2007, Presídio Urso Branco: a institucionalização da barbárie, entre 2002 e meados de 2006, os presos não eram vigiados e “grupos rivais digladiavam-se pelo poder dentro dos pavilhões da unidade”. Outro ponto do relatório diz que além das celas serem interligadas para permitir a livre circulação dos presos pelas alas do presídio, “agentes penitenciários permaneciam fora da carceragem alegando falta de segurança para trabalhar” e que o “resultado foram as chacinas em 2002 e 2004, com presos degolando e mutilando outros internos perante familiares, agentes públicos e imprensa.” As imagens chocantes desses episódios em que presos degolados são jogados do alto do presídio são facilmente encontradas no youtube.

O relatório relata a intervenção do Estado no final de 2006: “O episódio de 9 de julho de 2007 – com todos os presos do Urso Branco deitados, nus, na quadra de futebol da unidade, em pleno meio-dia e a execução sumária de um interno, com um tiro na cabeça, também nesta ocasião – simboliza a forma como o Brasil quer obter o controle da unidade, às custas da violação da vida e integridade física dos internos.”

Segundo Tamara, os relatos mais comuns de tortura revelados pelos presos a ela são “socos, pontapés, coronhadas, ficar nu na quadra debaixo do sol e caminhar de joelhos por horas”, finaliza.

O sistema

Em Porto Velho, capital de Rondônia, o número de presos em regime fechado e semi-aberto ultrapassa os 2 mil. Entre presídios, Colônia Penal, Centro de Correção, Albergue, Livramento Condicional e Semi-aberto existem 1.300 vagas em Rondônia, mas os números revelam superlotação. O Sistema é ocupado por cerca de 2,5 mil detentos. O Urso Branco é uma das maiores unidades prisionais da região norte do país, construído no final da década de 1990 para abrigar somente presos provisórios – aqueles não condenados em definitivo. Abriga em sua maioria presos condenados, em grande parte jovens de 18 a 30 anos, com baixo nível de escolaridade e condenados principalmente por crimes relacionados ao tráfico de drogas. Ele tem capacidade para 456 detentos, mas a população carcerária é de mais de mil, segundo dados de 2008.

Leia também

Últimas notícias