Em SP, famílias do Olga Benário resistem à decisão da Justiça

Às vésperas de completar dois anos, ocupação na zona sul da capital paulista tem reintegração até dia 27. Maioria deve ir para a rua, dizem coordenadores do movimento

Três mil pessoas da ocupação Olga Benário, na zona sul de São Paulo, correm o risco de serem despejadas no dia 24

Ex-moradores de rua, despejados de casas e barracos, pessoas de área de risco e mananciais. Ao todo, 3 mil pessoas vindas de condições de vida precárias resistem há dois anos no acampamento Olga Benário, organizado pelo Fórum de Moradia e Meio Ambiente do Estado de São Paulo (Fommaesp), ligado à Frente de Luta por Moradia (FLM). Às vésperas de completar dois anos de vida, o Olga Benário também está prestes a sofrer reintegração de posse, marcada para o dia 24 de agosto. 

O espaço ocupado, que antes servia para desmanche de carros roubados, é propriedade particular e possui dívidas junto ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e ao Banco América do Sul que ultrapassam R$ 7 milhões. De acordo com a coordenadora do movimento, Felícia Mendes, durante os dois anos de trabalho no acampamento a coordenação tentou negociar saídas com a proprietária do terreno e com os poderes públicos municipal, estadual e federal. “Lutamos para que terrenos ociosos de devedores do poder público se transformem em moradia popular”, afirma a coordenadora.

A região, esquecida pela São Paulo rica, fica no extremo sul da cidade, em um terreno de 14 mil metro quadrados, localizado em um pequeno vale rodeado por favelas no bairro Parque do Engenho. “Estamos lutando para dar vida a um dos muitos cantos escondidos e renegados por São Paulo”, afirma a coordenadora do movimento. 

“Vidas e famílias se construíram aqui”, sustenta um dos coordenadores do acampamento, José Marcos da Silva, o Marquinho. “Esta história não pode acabar assim de uma hora para outra”, reivindica.

Diversos recursos jurídicos foram empenhados pelo movimento, com a ajuda da Defensoria Pública de São Paulo, para que a função social da terra fosse cumprida, mas sem sucesso. O Judiciário concedeu liminar de reintegração de posse ao proprietário, que deve ser cumprida dia 24 de agosto. O prazo para uma saída pacífica terminou dia 16 de agosto.

O movimento continua reivindicando ao poder público a alternativa habitacional definitiva. Até agora nenhuma sinalização de atendimento foi dada pela prefeitura e a maioria das famílias deve ser colocadas em situação de rua na cidade de São Paulo, junto de outras 20 mil pessoas. “Não temos saída. Iremos até o fim”, declara Felícia.

Saúde

A condição habitacional das famílias no acampamento deveria ser melhor, admite Marquinho. Mas ele alerta que, se as famílias sobrevivem em pequenos barracos de madeira, é porque a condição de vida poderia ser ainda pior na rua. “Elas (as famílias) não estão aqui à toa”, afirma.

Marquinho trabalha como cozinheiro no centro da cidade e é uma das pessoas que fazem trabalho comunitário no acampamento. “Tentamos, a cada dia desses dois anos, melhorar as condições do lugar”, afirma. “Estamos em uma luta política, nos unimos e nos ajudamos conforme as necessidades aparecem”, diz. 

A prefeitura de São Paulo praticamente ignora a situação das famílias, segundo o movimento. “Demoramos um ano e seis meses para que colocassem cestos de lixo. As crianças conviviam nas vielas com os ratos”, lembra Marquinho. Outra dificuldade é o atendimento médico público, pelo fato de as famílias morarem em ocupação e não terem um endereço. O carro do coordenador acaba sendo “de todo mundo” serve até como “ambulância da comunidade”, brinca. 

Trabalho de base

A ocupação foi iniciada com 70 famílias do movimento, no dia 27 de agosto de 2007. O terreno era pouco frequentado pela população por estar associado à criminalidade. “Passamos a formar o Olga Benário com a própria comunidade que ali vivia”, conta Felícia. A partir daí, outras famílias passaram a procurar o acampamento.

Uma delas é a de Isalmar Ferreira Couto, de 50 anos, pai de três filhos. Ele vivia há 40 anos no bairro, sempre pagando aluguel. Trabalhava como motorista, mas perdeu o emprego. “Apenas minha mulher estava trabalhando”. Com o dinheiro que ganhava tiveram que fazer uma opção. “Ou a gente pagava aluguel ou a gente comia e mantinha as crianças na escola”. 

Couto conta que os preconceitos contra a situação de pobreza ficam mais evidentes quando não se tem um endereço fixo. “Minha família tinha cadastro no SUS, com cartão para atendimento e tudo. Mas quando descobriram que mudamos de casa, disseram que não era possível renovar o cartão”, afirma. 

Há dois meses, ele conseguiu um novo emprego e faz planos para depois que conseguir uma casa. “Quero retomar o curso de Ciências Biológicas que iniciei mas não tive condições de continuar”, almeja.

Leia também

Últimas notícias