Greve na USP coloca em discussão eleição direta para reitor

Reivindicação histórica de estudantes e funcionários prevê também reforma de estatuto para ampliar participação nos foros de decisão da Universidade

Antônio Cândido, Marilena Chauí e Maria Victoria Benevides criticaram PM no campus e apoiaram a greve dos funcionários (Foto: Daniel Garcia/Adusp divulgação)

Mais de uma semana depois da repressão promovida pela Polícia Militar, a Universidade de São Paulo (USP) e o meio acadêmico brasileiro ainda discutem os efeitos da ação. De imediato, a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e os professores e estudantes da USP entraram em greve.

A saída da reitora Suely Vilela do cargo passou a ser ponto da pauta de reivindicações das três categorias, mesmo que alguns representantes do movimento admitam que a renúncia da professora não é fácil, mais ainda com o fim do mandato se aproximando.

Em reunião nesta terça (16), o Conselho dos Reitores das Universidades Estaduais Paulistas (Cruesp) propôs a retomada das conversas interrompidas no último dia 25 de maio. O Fórum das Seis, que reúne professores e funcionários de USP, Unesp e Unicamp, aponta que só volta a dialogar quando a Polícia Militar deixar o campus. Por outro lado, a reitora da USP, que preside o Cruesp, afirma que a PM permanecerá enquanto não houver garantia de que piquetes não serão realizados.

É preciso convocar “professores, estudantes e funcionários para pensar em uma nova estrutura de poder que seja uma coisa mais adequada ao que a gente imagina como interessante. As condições políticas estão mais do que dadas”

Rubens Barbosa de Camargo, professor da Faculdade de Educação, afirma que a presença de policiais “não se coaduna com a Universidade. Não é assim que se trata a questão do debate público na Universidade. A rigor, é um acinte a um lugar em que se trabalha com a cabeça”.

O docente do Instituto de Matemática e Estatística (IME), Sérgio Oliva, pensa que a decisão da reitora de pedir a vinda de forças policiais foi acertada, mas considera lastimáveis os fatos vistos no último dia 9, independentemente de quem tenha iniciado o problema.

Esta semana, Suely Vilela esteve reunida a portas fechadas com os diretores da maior parte das unidades, que assinaram um manifesto de apoio à reitora. O comunicado segue o mesmo tom dos artigos publicados pela professora desde o episódio: “conclamamos toda a comunidade universitária ao entendimento em torno do respeito ao direito de greve e da livre expressão de ideias, refutando qualquer tipo de violência, seja por grevistas ou por policiais. Ao mesmo tempo, enfatizamos que, nos termos da lei, as manifestações e atos de persuasão utilizados pelos grevistas devem preservar o acesso ao trabalho, sem causar ameaça ou dano às pessoas ou ao patrimônio público”.

O professor Sérgio Oliva, ainda que tenha críticas à atuação da reitora, considera que a saída antes do fim do mandato “enfraqueceria a universidade como um todo. A gente corre o risco de a Universidade perecer a atitudes populistas. Mudanças são bem-vindas, mas deve-se ter em vista que elas não são cotidianas”.

“Nos termos da lei, as manifestações e atos de persuasão utilizados pelos grevistas devem preservar o acesso ao trabalho, sem causar ameaça ou dano às pessoas ou ao patrimônio público”

Ainda que avaliando que a saída de Suely Vilela seria o ideal, a coordenadora da Associação de Pós-Graduandos da USP, Ester Rizzi, pensa que o mais importante neste momento seria aproveitar a oportunidade para “tocar na pauta de democracia das estruturas da Universidade do que especificamente na questão do mandato da reitora. Simplesmente mudar o reitor não traria todos os benefícios que a gente gostaria de ver”.

Antonio Cândido e Marilena Chauí em debate na USP

Em debate ocorrido nesta terça, a filósofa Marilena Chauí apontou que “é expressivo que em uma única gestão a PM tenha entrado no campus duas vezes”. Isso indica, na visão dela, que chamar a polícia tornou-se uma forma natural de lidar com reivindicações e movimentos sociais. “Isso se tornou natural porque não há na Universidade espaço para discussão e debates das decisões”, avalia. Em 2007, a Polícia Militar esteve presente na Cidade Universitária no dia em que os estudantes deixaram o prédio da reitoria, ocupado por 50 dias, e expulsou os alunos da Faculdade de Direito do Largo São Francisco.

O fato é que, como lembrado pela professora Marilena Chauí, a Universidade tem uma estrutura concentrada de decisões. No Conselho Universitário, foro máximo da USP, 75% dos integrantes são professores, ficando o restante com estudantes, principalmente, e uma pequena representação de funcionários.

Rubens Barbosa de Camargo defende a convocação de professores, estudantes e funcionários para pensar uma nova estrutura de poder dentro da universidade. “As condições políticas estão mais do que dadas. A rigor, a própria reitora, quando chamou a polícia, desqualificou-se na condição de alguém que pode estar à frente da reitoria para tratar de problemas de caráter político, trabalhista e estudantil.”

A reforma do estatuto da USP, na leitura de alguns setores das três categorias, deveria contemplar a eleição direta para reitor. Atualmente, um colegiado composto majoritariamente por docentes (85%) indica um lista tríplice que é encaminhada ao governador, a quem cabe definir o nome do reitor. No geral, os defensores da mudança consideram viável a fórmula de eleição paritária, ou seja, em que cada categoria corresponde a 33,3% dos votos. Desta maneira, seriam corrigidas distorções provocadas pelos diferentes números de cada classe (são 54.000 alunos, 15 mil funcionários e 5.400 professores).

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