Debate sobre democracia na USP vai muito além da reitoria

Para professora e estudantes, há equívoco em tentar desmerecer assembleias como fórum legítimo de decisão, e votação na internet serve para criar falsas ideias

Em manifestação na semana passada, estudantes, funcionários e professores pedem a saída da reitora Suely Vilela do cargo e entregam flores nas ruas (Foto: Jailton Garcia)

“Autoritário, partidarizado e nefelibático”. É assim que um grupo antigreve da USP define o movimento atual na Universidade. Em tempo: nefelibático é aquele que vive nas nuvens. A autodenominada Comissão para Defesa dos Interesses Estudantis da USP (CDIE) coloca-se como a propositora de um novo modelo de participação do corpo discente e prefere enquetes na internet a assembleias, considerando que “todos os alunos podem votar sem despender horas de sua vida com assembleias cuja votação é protelada para assegurar o resultado desejado por certos grupos”.

Levanta-se, em toda paralisação estudantil na USP, a questão sobre a representatividade do Diretório Central dos Estudantes (DCE).

Na opinião de Adma Muhana, professora do departamento de Letras Clássicas da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH), há uma visão equivocada de alguns grupos em desmerecer as assembleias como fóruns legítimos de decisão. Para ela, a tentativa de opor-se à greve como movimento de reivindicação também não tem respaldo, uma vez que a decisão das três categorias de cruzar os braços foi uma resposta à recusa da reitoria em conversar.

Atualmente, uma votação via Internet contabiliza em torno de 8.000 votos, a maior parte contra a greve e computada entre alunos da Escola Politécnica (Poli), unidade em que tradicionalmente não há adesão às paralisações.

A decisão em assembleias, no entanto, tem mostrado o contrário. Para Jonas Alves, diretor do DCE, a votação virtual não colabora para o debate político. “Não significa que a gente seja contra plebiscitos, mas essencialmente para assuntos como a greve, a mobilização, isso não contribui para nada. Acaba criando falsas ideias”, afirma. 

Para Alessandra Maia, doutoranda da PUC Rio e que fez mestrado sobre teorias da representação política, há uma tensão constante entre as democracias participativa e representativa, e é preciso entender que a participativa não substitui a representativa, mas dá qualidade a ela. 

Na semana passada, um flash mob (mobilização curta, organizada pela Internet) organizado em frente ao Sindicato dos Trabalhadores da USP terminou em bate-boca. Na quinta (25), a manifestação foi em frente à Faculdade de Economia, Administração e Ciências Contábeis (FEA), reduto tradicionalmente desfavorável às greves. Para Jonas Alves, não é possível afirmar que, a priori, os estudantes de unidades como FEA e Poli são mais conservadores. O diretor do DCE aponta que há na verdade um problema de organização do movimento estudantil dentro dessas faculdades, em parte também por conta da ausência de alunos desses locais nas discussões centrais da Universidade.

Rodrigo Capel Pasqua, fundador da Comissão para Defesa dos Interesses Estudantis, afirma que a entidade surgiu como forma de “apoiar esse pessoal que sempre ficou calado, foi sempre uma minoria que impôs sua vontade. A votação via internet não tem valor legal algum, mas é para mostrar que aquilo que a minoria está falando é errado”. Para a professora Adma Muhana, não corresponde à realidade afirmar que é uma minoria que delibera pela greve. Para demonstrar, ela lembra que apenas a FFLCH parada já corresponde a mais de um terço dos estudantes da USP.

A Associação de Pós-Graduandos da Universidade e alguns professores titulares têm manifestado que a estrutura interna é o que realmente sofre de falta de democracia. A eleição para reitor, por exemplo, é feita por um pequeno colegiado em que a participação de estudantes e funcionários é reduzida a 15%. 

Titular aposentado da Universidade Federal de São Carlos (Ufscar), o professor Valdemar Sguissardi aponta que a organização de poder de várias instituições de ensino superior está desatualizada, o que pode ser a raiz dos debates correntes na USP. Ele lembra o exemplo da própria Ufscar na década de 90, quando foi criada uma comissão com igual número de professores, funcionários e estudantes para pensar na elaboração de um novo estatuto. Na época, foram ampliadas as representações discentes nos conselhos decisórios e a eleição para reitor passou a ser feita de maneira paritária e proporcional, com participação igual entre as três categorias no cômputo dos votos.

A reitora Suely Vilela, acusada de falta de diálogo por docentes e estudantes ouvidos pela reportagem, tem uma postura inadmissível na atual greve para a professora Adma Muhana: “Para nós, importa uma posição clara de que a Universidade não aceita que as reitorias coloquem os professores, alunos e funcionários que tentam dialogar na marginalidade”.

Para João Garrido Júnior, presidente do Centro Acadêmico Visconde de Cairu (CAVC), da FEA, o problema de diálogo é de quem comanda as negociações. O estudante de Administração garante que é recebido pela reitora Suely Vilela sempre que precisa. “A gente vê que a greve, mesmo sendo um movimento legítimo, acaba aumentando a distância entre a reitoria e os sindicatos. Na campanha salarial, o Sintusp primeiro para e depois tenta negociar”, afirma.

Sobre as assembleias, o presidente do CAVC destaca que ela não representa a maioria dos alunos da USP e defende debate unidade a unidade apontando que há dificuldade em fazer uma discussão com todos os discentes, ainda mais considerando que há alguns campi no interior paulista.

A doutoranda da PUC Rio, Alessandra Maia, considera que o debate é positivo, mas pondera que é precipitado dizer que assembleias não têm legimitidade. “Todo mundo pode chegar e participar, mas vai quem quer. As pessoas que reclamam que não é legítimo deveriam ir lá dizer isso. Agora, essa outra pessoa, o fato de ela não concordar enriquece o movimento. O fato de haver fricção, de não haver consenso, é positivo”, destaca.

Jonas Alves, diretor do DCE, destaca que além das assembleias há as reuniões do próprio diretório e o diálogo com os centros acadêmicos de cada unidade. Sobre os flash mobs, “a gente acha que não são grupos democráticos porque fazem reuniões fechadas e não convidam o DCE, ou seja, vão no sentido contrário do que reivindicam”.

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