Minorias

Com maior parada gay, Brasil precisa debater direitos LGBT

Formação de parceria civil é uma das reivindicações do evento que ocorre domingo em São Paulo

Alexandre, presidente da APOLGBT, com a filha Bruna: “eu ainda não consigo chamá-lo de pai, como ele quer, às vezes escapa um ‘mãe’, mas por enquanto prefiro pãe” (Foto: Gerardo Lazzari)

A busca de visibilidade sempre foi o eixo central das manifestações LGBT que, desde 1997, organizam a Parada do Orgulho Gay de São Paulo, que naquele ano reuniu 2 mil pessoas no centro de São Paulo. De lá para cá a parada de São Paulo cresceu e a força do movimento espalhou-se. A Associação da Parada do Orgulho LGBT (APOLGBT) reúne mais de 200 organizações, a maior rede do setor no país. Em 2008, houve recorde mundial com 140 paradas e 23 eventos culturais. O Brasil tem a maior parada do mundo desde 2004, quando reuniu 1,8 milhão de pessoas em São Paulo. Na do ano passado foram 3,4 milhões.

Em 2003, ano em que o tema da parada reivindicou políticas públicas para combater a discriminação e a violência dirigida aos homossexuais, o Conselho Nacional de Combate à Discriminação (CNDC), do governo federal, criou uma Comissão Permanente para receber denúncias de violações de direitos humanos relacionadas à orientação sexual e identidade de gênero. Um grupo de trabalho foi incumbido de elaborar um programa nacional que deu origem ao Brasil Sem Homofobia, programa de combate à violência e à discriminação contra LGBT e de promoção da cidadania homossexual, lançado em 2004, pela Secretaria Especial dos Direitos Humanos (SEDH).

Em linhas gerais, a iniciativa expressa o compromisso do Estado brasileiro com a implementação desses direitos, incluindo o combate à violência, uma demanda histórica do movimento LGBT, que tenta a aprovação do projeto de lei que torna crime a homofobia (PLC 122/06) – aprovado na Câmara, mas ainda aguardando tramitação no Senado, devido às pressões de religiosos evangélicos e católicos. Convocada por decreto presidencial, a 1ª Conferência Nacional GLBT, realizada em Brasília, ano passado, teve como pauta “Direitos Humanos e políticas públicas: o caminho para garantir a cidadania de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais”. Foi a primeira iniciativa do gênero no mundo, com 600 delegados – dois terços de representantes da sociedade civil e um terço de representantes dos poderes públicos – que chegaram a 559 propostas para políticas públicas nas diversas áreas, da saúde à segurança pública.

A conferência foi ponto de partida para o Plano Nacional de Promoção da Cidadania e Direitos Humanos LGBT, lançado no último 14 de maio com 50 diretrizes e ações a serem implementadas pelo poder público até 2011.

Famílias homoafetivas

Formar uma família com filhos é um desejo presente também entre parceiros do mesmo sexo, conhecidos por homoafetivos. Especialistas garantem que, seja qual for a orientação sexual dos pais, a personalidade da criança é afetada de forma positiva desde que ela receba muito amor e atenção.

A namorada de Alexandra Santos não podia engravidar. Foi ela, então, quem gerou para o casal a filha, Bruna. A criança foi concebida na única relação hetero de Alexandra, com um amigo também homossexual. Somente três anos atrás, aos 33, Alexandra compreendeu o incômodo que lhe causam as manifestações do seu corpo feminino. Descobriu-se finalmente como transexual e adotou a identidade de Alexandre.

Na casa de Alexandre, que hoje preside a APOLGBT, a discussão sobre diversidade sexual começou cedo. A filha Bruna sofreu preconceito na escola e, aos 4 anos, chegou a perder amigos por conta da aparência da “mãe”. Hoje, aos 17 anos, lida naturalmente com a diversidade.

Preconceito

O amor é o pilar na relação entre pais e filhos, mas não basta para proteger as crianças do preconceito. Na APOLGBT reúnem-se quinzenalmente para discutir meios de conduzir o assunto com os filhos. “Quando pequenos, são bem resolvidos. Porém, na pré-adolescência surgem os problemas e eles podem até começar a se esconder, a renegar a família”, destaca Jéssica Gutierrez. Sua companheira, Carina Ramires, já cansou de ouvir de familiares que sua homossexualidade é mau exemplo para a filha.

O psicólogo e terapeuta sexual João Batista Pedrosa, membro da Sociedade Brasileira de Psicologia e autor do livro Segundo Desejo, lamenta o mito de que crianças criadas por homossexuais também o serão. Esse é um dos argumentos da Justiça para barrar a adoção por casais homoafetivos. Ele afirma que a orientação do adotado não tem a ver com a dos pais adotivos, o que prova que as características individualizadas não são enraizadas ambientalmente.

Adoção

Enquanto casais homoafetivos perseguem o sonho de ser pais ou mães, 80 mil crianças e adolescentes vivem apartadas de suas famílias em abrigos de todo o país, segundo estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Dessas, 8 mil estão habilitadas para a adoção. Mas a Justiça impede que duas pessoas do mesmo sexo adotem, salvo exceções, como aconteceu em Catanduva (SP), em 2006, quando o casal de cabeleireiros Vasco Pedro da Gama Filho, de 38 anos, e Júnior de Carvalho, de 45, obteve o direito à dupla paternidade de Theodora Rafaela Carvalho da Gama, no ano em que ela completava 5 anos.

A vice-presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM) e ex-desembargadora do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Maria Berenice Dias, ressalta que a chamada Lei Nacional da Adoção é conservadora por tentar impedir a adoção por famílias homoafetivas. “A postura, além de equivocada, é preconceituosa, discriminatória e inconstitucional, pois cerceia aos parceiros do mesmo sexo o direito constitucional à família e não garante a crianças e adolescentes o direito à convivência familiar.”

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