Ranking de escolas no Enem distorce propósito do exame

Para professor da Faculdade de Educação da USP, a avaliação mais fiel do ensino pode ser feita a partir do Saeb

Mais de uma década depois de criado, o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) está bem distante dos fundamentos inspiradores da prova. Além de a prova passar a substituir o vestibular para ingresso em várias universidades federais e privadas, há outro fato questionado por analistas: o ranking com as médias obtidas por cada escola.

A prática dos cursinhos pré-vestibular em relação aos alunos aprovados nas universidades de renome é reproduzida agora com os resultados do exame. Os colégios mais bem colocados usam a informação como motivo de publicidade, cada um com o recorte que mais o favoreça.

Esse tratamento dos dados gera leituras que não condizem com a realidade, como a melhor escola de uma determinada cidade, a melhor da região, de um estado e, claro, novamente decreta-se a falência do ensino público e ressalta-se o bom modelo das federais. O professor Ocimar Munhoz Alavarse, da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, lembra que a partir daí surge “quem está no meio, na média, abaixo da média. Acontece que as escolas privadas concordam com essa publicação. E fazem marketing em cima desse resultado. O universo de escolas privadas é muito menor, ou seja, a comparação não é justa [18 mil públicas contra 6 mil particulares]”.

Sem entrar no mérito de um ranking servir para comparar mercadorias, e não educação, a confrontação entre resultados de escolas tem inúmeros outros problemas. O primeiro dele é que o Enem não tem caráter obrigatório, ou seja, não pode ter função estatística em relação às escolas, já que mais ou menos alunos de uma determinada instituição de ensino podem participar da prova. Acrescente-se a isso o fato de que o desempenho de um aluno não é condicionado apenas por aquilo que ele aprende em classe, mas por diversos outros fatores do dia-a-dia, como acesso a fontes de informação e um ambiente propício à educação. 

O professor Alavarse aponta que o exame tem conteúdos diferenciados todos os anos, mudando o nível de dificuldade e os assuntos abordados. Por isso, considera que o melhor para ter resultados sobre o desempenho seria utilizar o Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), realizado por amostragem das redes de ensino em relação aos ensinamentos de Português e de Matemática e que praticamente não muda de um ano para outro.

A prova do Saeb leva em conta o contexto em que os alunos estudam, como as condições familiares e as características de infra-estrutura da escola. Para o Alaverse, o ranking do Enem tem aspectos nefastos também em relação a isso: desmerece o trabalho de professores que construíram a carreira em situações complexas, sem uma estrutura privilegiada nem alunos em condição favorável de aprendizado.

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