ONG quer que Justiça Federal apure crimes de maio de 2006 em São Paulo

Caso em análise é de chacina no Parque Bristol em que três pessoas foram mortas e duas ficaram feridas, um crime que coloca em contexto a semana de ataques do PCC

As famílias de cinco vítimas de uma chacina no Parque Bristol, na capital paulista, apresentaram denúncia em conjunto com a Conectas Direitos Humanos contra o estado de São Paulo. O argumento é de que as deficiências na investigação policial impediram que os autores do crime que matou duas pessoas e deixou três feridas fossem encontrados – seis meses depois da semana de crimes em São Paulo, um dos sobreviventes foi executado sumariamente, caso que também foi arquivado.

Agora, essas famílias enviaram um pedido ao Procurador-Geral da República para que seja requerida a federalização do caso, o que poderia servir como uma segunda oportunidade para que o Brasil apure as violações de direitos humanos e evite punições internacionais, segundo analistas. Ao mesmo tempo, a Conectas apresentou uma denúncia à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, órgão ligado à Organização dos Estados Americanos. A ideia é que o país seja responsabilizado por descumprimento da Convenção Americana de Direitos Humanos, como ocorreu nos casos Maria da Penha e Ximenes-Lopes.

Apenas 6% dos quase 500 mortos na semana de 12 a 20 de maio de 2006 tinham antecedentes criminais

Uma pesquisa conduzida pelo Laboratório de Estudos da Violência da Universidade Estadual do Rio de Janeiro mostrou que apenas 6% dos quase 500 mortos na semana de 12 a 20 de maio de 2006 tinham antecedentes criminais. Além disso, 70% tinham apenas o primeiro grau e quase todos eram homens, boa parte com menos de 36 anos.
De acordo com dados da Ouvidoria da Polícia, 63% dos casos das mortes de civis ocorridas no período foram arquivados. No período mais crítico de ataques do PCC ocorreram 102 casos em que o próprio órgão admite excesso policial.

Princípio da federalização

Desde que foi efetivamente criado, em 2004, o princípio da federalização tem sido usado com parcimônia pelas diversas organizações e pessoas físicas interessadas em que apurações e decisões judiciais sejam conduzidas à esfera federal. O deslocamento de competência é um dos pontos da Emenda Constitucional número 45, que prevê que o Procurador-Geral da República pode pedir a medida em hipótese de graves violações dos direitos humanos com finalidade de assegurar o cumprimento dos tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário.

Até agora, a Procuradoria só aceitou um pedido de federalização: o do assassinato da missionária Dorothy Stang no Pará. O Superior Tribunal de Justiça, no entanto, negou a medida, o que foi amplamente contestado por diversas organizações que consideram que o Judiciário paraense não demonstrou isenção suficiente para conduzir o caso.

Três anos depois da semana em que mais de quinhentas pessoas foram mortas no estado de São Paulo, a Conectas Direitos Humanos, em parceria com famílias de vítimas dos “crimes de maio”, tenta fazer com que a federalização seja aplicada pela primeira vez no Brasil. O processo levado adiante pela organização é o da chacina do Parque Bristol, ocorrido durante os crimes de 12 a 21 de maio de 2006, e em que três pessoas foram mortas e duas ficaram feridas.

Samuel Friedman, advogado da Conectas, aponta que a federalização seria um processo político muito pesado para o Estado “porque acaba evidenciando que o mesmo não consegue investigar determinados temas”. Por isso, ao mesmo tempo a entidade entra com uma ação na Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) da Organização dos Estados Americanos (OEA) para que o Brasil seja responsabilizado por violações do direito à vida.

Caso a CIDH faça recomendações não cumpridas pelo país, o assunto é encaminhado para a Corte de Direitos Humanos, que pode impor sanções. A única vez em que isso aconteceu foi no caso de Damião Ximenes Lopes, um portador de transtornos mentais que sofreu maus tratos e morreu em uma clínica de Sobral (CE). Na ocasião, o Estado foi obrigado a indenizar a família da vítima e a corte pediu que fossem criados instrumentos eficazes de recebimento e apuração de denúncias nessa área.

Participação de policiais em crimes

Em relação aos crimes de 2006, um relatório elaborado pelo Laboratório de Análise da Violência da Universidade Estadual do Rio de Janeiro a pedido da Conectas mostra que há claros sinais de participação de agentes do Estado nos episódios. Os dados apontam que a morte de policiais ocorreu majoritariamente entre os dias 12 e 13 e, depois disso, os assassinatos de civis cresceram muito em relação aos de agentes públicos, configurando uma ação de represália.

53 civis foram mortos por grupos encapuzados, o que configura a atuação de grupos de extermínio. Quando se analisa a localização dos disparos, 60% dos corpos tinham ao menos um tiro na cabeça, um sinal de execução

Além disso, 53 civis foram mortos por grupos encapuzados, o que configura a atuação de grupos de extermínio em que, sabidamente, há a presença de policiais. Quando se analisa a localização dos disparos, 60% dos corpos em que foi possível ter acesso aos laudos corretamente preenchidos tinham ao menos um tiro na cabeça, um sinal de execução.

Samuel Friedman lembra que, no mesmo dia da chacina do Parque Bristol, 12 pessoas foram mortas por grupos encapuzados e outras 12 por não-encapuzados, e ainda assim as investigações foram conduzidas separadamente. Para o advogado, o cruzamento de informações poderia mostrar que, em muitos casos, os criminosos eram os mesmos ou estavam ligados entre si.

Na denúncia enviada à CIDH, a Conectas pede a adoção de um Código de Conduta Policial para regular o uso da força de segurança. A organização considera que o projeto deveria ser debatido por toda a sociedade, fundamentalmente com a presença das polícias, que ainda precisam se livrar de certos ranços autoritários.

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