dito e feito

‘Tchutchuca’ é a palavra que denuncia o lado cruel da reforma da Previdência

Palavra empenhada pelo deputado deputado Zeca Dirceu contra o ministro Paulo Guedes adquire significado no contexto de um governo que investe em tirar direitos dos trabalhadores e aposentados

Cleia Viana / Câmara dos Deputados / reprodução TV Câmara

Zeca Dirceu (e) disse ao ministro Guedes que ele é tigrão com os pobres (resumindo) e tchutchuca com os ricos (simplificando)

Logo depois de o deputado Zeca Dirceu ter dito ao ministro Paulo Guedes que ele é tigrão com os pobres (resumindo) e tchutchuca com os ricos (simplificando), as redes se encheram de comentários.

Guedes deu uma de tigrão e respondeu que tchutchuca é a mãe, a avó.

Rolou de tudo nas redes: buscas da origem das expressões, debates sobre se proferir tais palavras naquele ambiente (mas que ambiente, meu!) poderia ser considerado quebra de decoro, o escambau.

Houve tentativas “psicanalíticas” de análise, invocando um traço machista de Guedes, que se ofendeu por ter sido considerado “mulherzinha” (um sentido mais ou menos próximo de tchutchuca). No rap que deu origem à circulação desta palavra, cujo refrão é “Tchutchuca, vem aqui pro teu tigrão – vou te jogar na cama e te dar muita pressão”, a palavra se refere obviamente a uma mulher. Mas Guedes não reagiu mal por ser chamando de tigrão (não disse “tigrão é teu pai, é teu avô”).

Fiz pequena pesquisa na internet (confesso, envergonhado: não sabia nada sobre essa música nem sobre o Bonde do Tigrão). Li que o compositor se inspirou na estampa de uma sunga com o desenho de um tigre para criar o nome (essa sunga esconderia o que faz do “eu lírico” um Tigrão!).

Li que a banda “enfileirou sucessos nas rádios e nas festas ao redor do país, ajudando a popularizar termos até então desconhecidos fora das comunidades cariocas e dos bailes funk daquela cidade, tais como Tchu Tchuca, Caçador de Tchutchuquinha e Me Usa, quecolocaram a palavra “tchutchuca”, uma maneira de chamar carinhosamente uma mulher, na cultura popular.

Outras palavras usadas pela banda, como “cachorra”, “preparada”, “popozuda” e “glamourosa”, também acabaram entrando no vocabulário dos brasileiros”. 

Assim, fiz minha lição de casa, embora sem muito aprofundamento, como são as lições de casa. Foi só um pequeno corta e cola, à moda Hart, até porque importa pouco saber como a palavra nasceu, importando mais como circulou. São mais relevantes os sentidos que “tchutchuca” teve no contexto específico da fala de Zeca Dirceu, em especial a oposição entre “tigrão” e “tchutchuca”.

Se, na música, tigrão é o macho viril, na fala do deputado a palavra qualifica o valentão, o sem piedade, sem nenhuma conotação sexual (embora se usem frequentemente expressões que incluem “foder” e “fodido/a” em caso análogos. Algo como “se a proposta do Guedes passar, estamos fodidos/as”).

Na música, o traço de macheza não implica nenhum tipo de violência, de agressividade, nem mesmo de exploração. Não relega a tchutchuca a um papel secundário, de instrumento de prazer, por exemplo. Nem indica que a Tchutchuca seja passiva ou apenas boazinha – apesar do papel ativíssimo do Tigrão.

Diria até que ocorre o contrário: “vou te dar muita pressão” é uma promessa de prazer para a tchutchuca: “dar (muita) pressão”, neste contexto, significa mostrar-se capaz de um desempenho muito satisfatório, inclusive para a parceira. Ocorre-me um comercial de cerveja no qual duas ou três mulheres estão em uma mesa e assistem a homens se servindo em uma espécie de barril desses de chopp e comentam, conforme o caso, “esse tem pressão, esse não tem pressão”, com sorrisos maliciosos; os que têm pressão são os preferidos.

Se na música tchutchuca não é necessariamente “passiva / obediente” etc., na fala de Zeca Dirceu, sim: ele é manso, passivo, obediente, que não incomoda, não reivindica… (“ele” porque agora se trata de Guedes).

Li em algum lugar que a prova de que Zeca Dirceu tem razão é que Guedes respondeu que tchutchuca é a mãe, é a avó, mas não reclamou por ser considerado tigrão, embora o predicado fosse verdadeira acusação de que são os pendores ideológicos de Guedes que o fazem encaminhar este projeto de reforma. Ou seja, teria ficado chateado porque a qualificação tchutchuca, ao mesmo tempo em que o representaria como “mulherzinha”, denuncia o lado cruel dos seus verdadeiros interesses com a dita “nova Previdência“, que ele gostaria de esconder com suas discutíveis planilhas e apostas.

Nos comentários, vi que o ministro foi referido como “Paulo Tchutchuca” e como “TchtchuCA GUEdes”, que é um interessante cacófato. A palavra que está meio escondida denota medo em um dos empregos populares.

*cagão é aqui sinônimo de tchutchuca.