Dito e Feito

Os namoros de Bolsonaro e as limitações para as comparações com Lula

Falava-se bastante das 'metáforas' de Lula que, no entanto, as fazia a partir de uma variedade invejável de temas. Já Bolsonaro, que se saiba, só faz comparações com casamento e namoro, ou seja, fica numa zona só

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Falava-se bastante das metáforas de Lula (que, em geral, eram comparações, não metáforas). Agora estão falando dessas figuras nas falas de Bolsonaro.

A semelhança entre os dois estaria no apelo à sabedoria do homem comum, explicável seja pela origem popular de ambos, seja porque os dois buscariam uma aproximação com o povo.

A leitura do Dicionário Lula, de Ali Kamel, no entanto, mostrou, provavelmente contra sua expectativa, que Lula é um falante “sofisticado” – tanto pela capacidade de absorver termos técnicos e até “elegantes” (estruturante, transversalidade), quanto pelo numeroso léxico mobilizado em suas declarações.

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O ‘dicionário’ de Ali Kamel: efeito contrário ao pretendido pelo autor

(As biografias que Lula mostrou ter lido em recente entrevista, comparada à incapacidade de Moro de se lembrar de pelo menos uma é outro indício de algumas diferenças em favor de Lula – sem contar, claro, o livro de cabeceira do capitão).

Diferença radical entre Lula e Bolsonaro: no tópico em que Kamel fala de Lula “comunicador”, ele enumera os temas de que se valeu para suas “metáforas” (Kamel também erra).

Vai ser um pouco cansativo, mas tenho que dar a lista (com alguns exemplos).

São alusões à família, ao esporte, à morte (“a massa salarial é como se estivéssemos fazendo um cardiograma de um defunto”), à vida a dois, à doença, à agricultura, à vida familiar, ao futebol, ao amor materno, ao amor não correspondido (“é como um ex-marido que não quer que a mulher seja feliz”), à obrigação de mãe, aos desejos impossíveis, à religião, à manutenção de uma casa, ao transporte aéreo, à construção civil, ao orçamento doméstico, à prudência inata do ser humano (“É como pular na água para nadar. Ou você está preparado para atravessar, ou você não entra na água, ou você corre o risco de morrer afogado”), aos cuidados médicos, ao conformismo inato do ser humano, à música (“Ser presidente é como ser um maestro […]. Você não tem que saber tocar todos os instrumentos, você tem que entender de partitura, de música, de saber coordenar”), aos desastres naturais.

Sinceramente: variedade invejável! Os que só se lembram de “menas” deveriam ter vergonha na cara.

Já Bolsonaro, que se saiba, só faz comparações com casamento e namoro, ou seja, fica numa zona só. Talvez por influência do Olavão, que, no entanto, é mais explícito, e vai direto às vias de fato, de preferência com termos chulos e até heterodoxos, se considerarmos o discurso moralista do chefe sobre família.

Aliás, sobre família e questões conexas, ele produz raciocínios estranhos: há poucos dias, condenou os turistas que viriam ao Brasil para fazer sexo com gays, a pretexto de que aqui é família, mas em seguida lhes ofereceu as mulheres (como se pudesse dispor delas). Família ou turismo sexual?

Sua fixação mais constante, porém, é Rodrigo Maia, que ele está sempre namorando. Não sei se Maia lê as declarações, e o que pensa delas, já que nunca as comenta em público. Mas que são declarações estranhas para um machão, isso são!

Somadas estas falas repetidas à sua ojeriza aos gays e às avaliações comuns dos psicanalistas sobre esta fobia, mais seu amor às armas, a coisa fica bastante obscura.

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