Diário do Bolso

Tive um sonho lindo, Diário. Todo mundo morria, alguns de medo

Os 100 dias do meu governo me deixaram inspirado. Vi a morte se espalhar como fogo em mato seco. Eu viro um poeta quando sonho

Diário, que sonho eu tive hoje! Acho que foi por causa dos cem dias de governo.

Eu tinha olhos vermelhos, usava a faixa presidencial e estava em cima de um monte muito alto. Tão alto que eu podia ver todo o Brasil.

Aí, lá de cima eu gritei: “Foram cem dias de vitória, ha, ha, ha! Cem dias! Logo nos primeiros liberei as armas. Agora irmão já pode matar irmão, vizinho já pode matar vizinho, marido já pode matar esposa. E um miliciano pode comprar quatro armas legalmente.”

Então segurei uma das caveiras que estavam ao meu pé, levantei-a e disse: “Amar. Armar. Armar a alma. Amar a arma!”

Poxa, eu sou poeta quando sonho.

Na sequência o Moro, todo de preto, chegou do meu lado. Ele estava fumando um cigarro. Botei a mão em sua cabeça e disse: “Graças ao teu pacote anticrime, doravante bastará um policial dizer que estava sob violenta emoção e já pode matar à vontade.”

“Bam! Bam! Bam!”, ele respondeu sorrindo, antes de se transformar em fumaça.

Depois, olhando para o Brasil, que estava embaixo do monte, eu disse para mim: “A morte se espalha pelo país. Em São Paulo a polícia matou 64 pessoas só em março. No Rio meteram 80 tiros num músico. Mas não é só Rio e São Paulo. A crueldade se alastra como fogo em mato seco.

Parabéns a Ponta Grossa, Curitiba, Recife, Arapiraca, Santo André, Três Lagoas e Águas Lindas de Goiás. Nestas cidades botaram fogo em mendigos. É o meu jeito de acabar com a pobreza, ha, ha, ha!”

Aí meus três garotos, montados em cavalos voadores, pousaram ao meu lado. Um cavalo vazio se aproximou de mim e eu subi nele. Lá de cima, eu disse: “Começamos bem, meninos. Já conseguimos guerra e morte. Nos próximos 1.360 dias temos mais o que fazer. Temos que causar a fome e a peste.”

O Paulo Guedes se aproximou, usando terno e um broche em forma de tridente, e disse: “Conte com a minha Reforma da Previdência, mestre”.

Então eu e os meninos saímos voando. Nossos cavalos galopavam pelo ar e nossas sombras cobriam o país inteiro.

As ruas estavam vazias, sem ninguém protestando. Todos sentiam medo e olhavam apenas pelas frestas da janela.

Meu Deus, que sonho lindo, Diarinho!