‘O Sonho de Wadjda’, sopro de esperança para os direitos das mulheres sauditas

Longa de ficção que estreia nesta sexta (3) é o primeiro dirigido por uma mulher na Arábia Saudita

Se fazer um filme, seja lá onde for, já é difícil em situações consideradas “normais”, imagine para uma mulher dirigir um longa-metragem na Arábia Saudita, onde a condição e os trabalhos disponíveis para elas são extremamente restritos. O Sonho de Wadjda, de Haifaa Al-Mansour, que estreia nesta sexta-feira (3) nos cinemas brasileiros, além de ser a primeira ficção totalmente filmada e produzida no Reino da Arábia Saudita, foi o primeiro filme dirigido por uma mulher no país.

Para filmar, Haifaa teve de pedir autorizações, enfrentou burocracias, censuras e até ameaças. Na cena, a jovem Wadjda, vivida por Waad Mohammed (Foto: Divulgação)

O tema não poderia deixar de ter relação com as condições em que mulheres e meninas vivem naquela região. Wadjda (Waad Mohammed) tem 12 anos e mora na capital, Riad. Como vem de uma família considerada mais liberal, ela usa calça jeans e tênis e gosta de rock’n’roll. Seu maior sonho é ter uma bicicleta para poder apostar corrida com seu melhor amigo, Abdullah. O problema é que em seu país as mulheres são proibidas de andar de bicicleta porque estas são consideradas perigosas para a honra das meninas.

Como ganhar esse presente de seus pais está fora de cogitação, a chance de Wadjda realizar seu sonho surge com um concurso sobre os preceitos do Alcorão promovido pela sua escola. Mesmo distante dos costumes e de sua religião, ela começa a se dedicar intensamente para ganhar o prêmio em dinheiro e poder comprar a tão desejada bicicleta.

Ousadia

Para filmar O Sonho de Wadjda, Haifaa teve de pedir autorizações, enfrentou burocracias, censuras e até ameaças. Na Arábia Saudita, todos os meios de comunicação devem obedecer a normas éticas bem determinadas (e limitadoras). Eles têm até uma entidade governamental chamada Comissão para a Promoção da Virtude e a Prevenção do Vício, que controla as atividades culturais e tem o poder de punir e mandar prender quem não respeite os preceitos éticos e comportamentais.

Não era raro que a polícia aparecesse no set de filmagem para verificar as autorizações. Nas regiões (ainda) mais conservadoras, Haifaa sofreu ameaças e algumas vezes teve de dirigir os atores de longe, dentro de uma van, pelo celular. Mas todas as limitações foram transpostas e o resultado é um filme leve, que mostra a amizade e a ânsia de liberdade das mulheres sauditas. É um grito que evidencia que mudanças começam a ocorrer até mesmo onde os direitos mais básicos das mulheres ainda não são respeitados.

Para se ter exemplos práticos desses “avanços”, basta olhar para os dois últimos anos: em 2011, elas conquistaram o direito de votar e ser votadas nas próximas eleições locais, em 2015; no ano passado, pela primeira vez houve participação feminina saudita nas Olimpíadas; e em janeiro deste ano, mulheres foram nomeadas pela primeira vez a compor 20% da Shura, o Conselho Consultivo da Arábia Saudita.

Não se sabe se por causa do filme ou não, mas em abril passado o governo passou a permitir que meninas e mulheres andem de bicicleta, mesmo que a permissão se restrinja a áreas de lazer determinadas e sempre com a presença de um guardião.

Ficha técnica

  • Título original: Wadjda
  • Ano: 2012
  • Gênero: Drama
  • País: Arábia Saudita (co-produção Alemanha)
  • Duração: 97 minutos
  • Direção: Haifaa Al Mansour
  • Elenco: Reem Abdullah (mãe), Waad Mohammed (Wadjda), Abdullrahman Al Gohani (Abdullah), Ahd (Hussa), Sultan Al Assaf (pai)

Mesmo que tenha sido difícil achar mulheres que topassem encenar sem burca na presença de homens e que tenha passado por problemas que, em geral, produções cinematográficas não passam, para Haifaa Al-Mansour era imprescindível filmar o longa todo em seu país e apenas com atores sauditas. “Era importante para mim trabalhar com um elenco saudita, de contar essa história através de vozes autênticas e que o filme oferecesse uma visão de meu país através de temas universais como a esperança e a perseverança”, disse em depoimento à distribuidora de seu filme no Brasil, a Imovision.