Autodeclarado sambista, Geraldo Maia conquista com mistura de ritmos

Geraldo Maia lança novo trabalho e confirma solidez criativa da carreira iniciada há cerca de 30 anos (©divulgação) Em 2013, o cantor e compositor pernambucano Geraldo Maia completará 30 anos […]

Geraldo Maia lança novo trabalho e confirma solidez criativa da carreira iniciada há cerca de 30 anos (©divulgação)

Em 2013, o cantor e compositor pernambucano Geraldo Maia completará 30 anos de carreira e acaba de lançar o álbum “Estrada”, em que trabalha com diferentes ritmos musicais, valendo-se, inclusive, de muita experimentação musical, parecendo recuperar o que há de melhor nas carreiras de nomes como Alceu Valença e Caetano Veloso. Esse é o nono trabalho solo (incluindo um dividido com Henrique Macedo) desse artista que começou a carreira participando do disco coletivo “Baile do Menino Deus”, trilha musical do espetáculo teatral baseado na tradição natalina dos pastoris do Nordeste. Também chamou atenção ao interpretar “Deusa da minha rua”, junto com Yamandu Costa, na trilha do filme “Lisbela e o Prisioneiro”, de 2003.

Dedicado a Maria Bethânia, “musa inspiradora”, o álbum começa com a delicada, mas com a densidade de uma oração, “De todas as graças”, em que a voz de Geraldo Maia dialoga com o violão de 7 cordas e a viola dinâmica de Vinicius Sarmento: “Ave-maria de todas as graças / Acuda no agora / que o agora é a hora / amanhã não tem paz… Se pintam agruras / me banhe, seu hálito / álibi que salve a alma / e o corpo do ventre / rogai, ai rogai!”. Ela abre espaço para a rural nordestina “Bendito fruto”, com a percussão de Jerimum de Olinda e o violão de 7 cordas e a viola dinâmica de Rodrigo Samico: “Alcance o que aspira / Ser um bem que atinja / O seu mais elevado enlevo / Revele-se o dom / A lida, a lúdica sina / de ser aura e essência”.

Uma das melhores faixas do álbum é “Vida Sã”, que tem música de Henrique Macedo e letra de Geraldo Maia, e remete aos ótimos álbuns de exílio de Caetano Veloso, nos anos 60. Basta prestar atenção, por exemplo, em alguns vibratos feitos pelo cantor aqui e pelo baiano na célebre versão de “Asa Branca”: “O sereno ponteia mais um horizonte / Lida que assume a fronteira da graça / No céu que expande o sertão da fartura / Poço pleno, fio d’água / Rega essa lida / Lava minh’alma”. Geraldo Maia também parece “caetanear o que há de bom” em “Profana e pura”, com letra de Publius. Já o clima  mais experimental reaparece em “Que doam-se os brios!”, que parece remeter a incrível “Cópias mal feitas”, de Alceu Valença.

Há “Helioiticicando”, com letra de Marco Polo e música de Geraldo Maia, gostoso samba em homenagem ao artista plástico carioca Hélio Oiticica, autor da obra inspiradora da Tropicália: “Vamos helioiticicar esta vida / Deflagrar um festival cordon bleu / Vamos soltar o bloco na avenida / Dançando num parangolé colore / Vamos abrir o portal da batucada / A vida é nada a vida não tem refil / Vamos subir e destruir a escada / Equilibrando o coração por um fio”.

Mas se a referência principal é Maria Bethânia, ela fica mais do que explícita na linda “Janeleiro”, com música de Geraldo Maia, letra de Rodrigues Lima e violões e viola dinâmica de Vinicius Sarmento: “Da janela eu vejo o sol / Que surge por trás da serra / Vem trazendo a energia / Que alimenta a terra / Da janela eu vejo a paz / Que quer sufocar a guerra”. Também vale a pena prestar atenção na avassaladora Bossa Nova, “Dom”, com os violões de Bráulio Araújo e a percussão de Jerimum de Olinda.

Igualmente doce é “Samba”, com letra de Paulo Marcondes: “Meu samba é um modo de viver / Meu samba é som / O amor é um modo de saber / Que o samba é dom”. Lindo cartão de apresentação! O ritmo retorna de modo avassalador na ótima “Viés de uma paixão”.  O álbum termina em grande estilo com a encantadora “Palavra”: “Amor que navalha o destino / Cumpre seu tino, força-motriz / Palavra essa que a mim basta / E não demanda: se diz”. Ela parece confirmar apenas uma sensação que se desenha ao longo de todo o disco – o ótimo intérprete parece aqui a serviço da poesia consistente e definitiva de um sociólogo de formação, que sabe muito bem lidar com as palavras.

Geraldo Maia conversou com a Rede Brasil Atual a respeito do novo trabalho.

Como você definiria o álbum “Estrada”, que é o nono da sua carreira, e no que ele se aproxima e se diferencia dos anteriores?
“Estrada” resume um pouco da minha porção compositor. É também uma metáfora do meu tempo de batalha e reúne composições que falam por si e cada uma a seu modo, ou seja, não há uma temática definida, é um apanhado de canções. “Estrada” se aproxima dos meus outros dois discos autorais, o Peso leve (2008) e o Lundum (2009), mas a um só tempo eu quis nesse agora deixar as canções o mais desnudas possível, busquei a todo custo privilegiar a música, a letra, a melodia, sem me preocupar muito com arranjos, floreios, recursos de tecnologia tão em voga, enfim, quis deixar que as composições falassem por si.

Você dedica o álbum a Maria Bethânia, mas é fácil perceber a influência de outros artistas como Caetano Veloso e Alceu Valença. Eles são referências importantes para você? Se sim, de que modo?
Você cita dois compositores (Alceu e Caetano) que tiveram influência decisiva no processo da minha formação artística. Devo muito do que sou a eles, cada um no seu tempo e seu modo de abrigar espaços vastos daquilo que viria a compor a minha personalidade artístico-musical. E Bethânia também entra de modo arrebatador nesse conjunto de referências. Ela continua a me inspirar até hoje, e isso é enigmático e cristalinamente assombroso.

Há também uma homenagem a Hélio Oiticica, em “Helioiticicando”, em que cita os parangolés. A Tropicália também foi uma referência importante na sua carreira?
Diria que sim. Mas não sei se a Tropicália em si, como um adensamento de ideias que convergiram para o que acabou virando esse tal movimento. Talvez em mim tenha sido algo mais esporádico, com aspectos fragmentados dessa coisa mais ideológica que os movimentos abarcam.

Sendo pernambucano, há também uma forte influência no álbum todo do samba carioca. Como esse samba entrou na sua vida e qual é a importância dos sambistas clássicos na sua carreira?
Se há um “rótulo” que me cabe é o de sambista. Adoro samba, bebadosamba, sou um sambista frustrado. Queria ter nascido e vivido ali, entre os anos 30 e 50… era de ouro do rádio…acho que minha voz é uma reminiscência dessa época, me sinto inteiramente fora dos padrões atuais. Sou antigo, sou atávico, sou uma rala imitação de Noel, Sílvio Caldas, Orlando Silva, as irmãs Batista, Elizete, Nelson, Cartola, Capiba, esse é o meu “mundo real”… o resto eu digiro por dever de ofício, mas não por um prazer sem máculas, entende?

No encarte, o jornalista e escritor José Teles destaca que o álbum deixa as luzes destacarem o compositor, sem que o intérprete seja ofuscado. Como você avalia essa relação entre cantor e compositor? Ou seja, você se considera mais um do que o outro ou pode ser denominado um cantautor? E essa é uma preocupação na sua carreira?
Sempre digo que me considero mais cantor que compositor, e mais intérprete que cantor. Mas busco conciliar e amainar essas forças dentro de mim, mesmo quando elas parecem assumir ares do mais intenso antagonismo (risos).

Quais serão os próximos shows para a divulgação desse novo álbum e como está sendo a recepção a ele no palco?
Os shows ainda estão por vir…o porvir (risos).

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