Olivia Genesi leva música às ruas para ‘despertar ouvidos’

Olivia Genesi e Luca Batista: música essencial, em nova edição de projeto para harmonizar a trilha sonora da cidade (CC/divulgação) A cantora, instrumentista e compositora Olivia Genesi é um exemplo […]

Olivia Genesi e Luca Batista: música essencial, em nova edição de projeto para harmonizar a trilha sonora da cidade (CC/divulgação)

A cantora, instrumentista e compositora Olivia Genesi é um exemplo de artistas que possuem um talento imenso e que, mesmo sem muitas vezes ocuparem o merecido espaço nas mídias, não desistem do sonho de levar a qualidade de suas criações para o maior público possível. Com 20 anos de carreira e sete álbuns lançados, ela atualmente se dedica ao projeto “Olivia e a Música: nas ruas da cidade”, em que exibe suas criações ao ar livre, sem nem cobrar, nem solicitar colaboração dos ouvintes. Apenas para oferecer ao público uma experiência diferente do stress sonoro da cidade.

Em todas as edições de seu projeto, Olivia é acompanhada pelo seu parceiro de jornadas, Luca Batista, e o repertório é formado por parte das quase 70 músicas que já gravou. Todas as apresentações são, depois de 24 horas, disponibilizadas na internet, pelo site www.youtube.com/oliviagenesi.

“Quero algo que não saia da mente / Nem que a gente tente tirar / Quero que evolua a minha cabeça / e me leve pra outro lugar / Algo que seja como a alegria / que irradia e passa a brilhar / Como a felicidade”. Esse parece ser o lema de Olivia, expresso na deliciosa cantiga “Só a música faz”, que conta com os violinos de Luis Dutra e faz parte do álbum mais recente da artista, com o mesmo título e lançado em 2009.

Nesse álbum, Olivia apresenta suas “armas”, para vencer a dura batalha que é destoar do senso comum e dos ditames impostos pela indústria cultural – um canto suave e bastante cool em meio a uma sonoridade jazzística e lounge, em canções que misturam letras em português com outras em inglês, como é o caso da doce “Mistery”, que remete ao repertório de Suzanne Vega; do blues “Sweet Soul Singing”, de Frank Kirschman; e do rock balada “Bring the Boy Back Home”, de Paulo Preto. Destacam-se a bossa nova “E Você, Meu Amor, Não Vem?”, a empolgante “Ausência” (com direito a incrível solo da guitarra de Fabio “Dregs” Rodrigues), a balada pop “Tudo” (daquelas que dá vontade de sair dançando e pulando pela casa) e “Ah! Música”, de Zé Luis Marmou e Carlos Garcia, que passeia livremente entre fanfarras de colégios a sonoridades orientais.

Outro projeto de Olivia é Vintage Filter, que mantém com Adriano Augusto. O primeiro e homônimo trabalho acaba de ser lançado após a dupla se dedicar às dez canções entre novembro de 2011 e fevereiro de 2012. O resultado é uma mescla de diversas experimentações instrumentais, que ressaltam a interpretação de Olivia e valorizam diferentes timbres e sonoridades. Há músicas interpretadas em espanhol (“Dante Ideia”) e metade em português e francês (“Consciência (Oú est?)”), climas sombrios (“To Felicity”), drum’n’bass (“Music”), canção que parece saída de trilha de ficção científica (“Você”). Para completar, há a incrível “Funky”, que, como o título indica, promete botar todo mundo para dançar.

Na entrevista a seguir, Olivia fala de sua carreira e, sobretudo, de seu ofício de fazer música.

Você vem de uma família de artistas. De que modo isso ajudou na sua escolha profissional? Houve uma pressão para tão boa quanto os outros talentos da família?

Acredito que o respeito e o amor pela arte sejam herdados sim, mas eu fui a única que seguiu profissionalmente esse caminho. A música está em minha vida desde os cinco anos, quando comecei a tocar, ler partitura, acho que não tive muita “escolha” (risos), apenas mergulhei cada vez mais, e sempre tive o apoio de toda a família.

O jazz parece ser uma referência muito importante na sua obra, tanto na escolha de repertório que você compõe, quanto no modo de cantar. Como surgiu essa referência e quais artistas desse gênero mais a influenciaram e ainda a influenciam?

O jazz é uma grande referência para mim, uma escola de canto, de improviso, de transpiração e liberdade musical. Minha primeira formação foi erudita, para o canto e o piano, até o dia em que fui ao meu primeiro grande show: Koko Taylor, no ginásio do Ibirapuera, em 1985. Saí do show completamente instigada a conhecer este “outro mundo” musical. Aí comecei a ouvir Sarah Vaughan, Ella Fitzgerald, Etta James, Billie Holiday, Oscar Peterson, Duke Ellington. Minha vida mudou.

Quando você começou a carreira, nos anos 90, havia um movimento de revalorização e atualização da Bossa Nova. Esse movimento te influenciou de algum modo?

Quando comecei a cantar profissionalmente, apesar de envolvida e influenciada pelas cantoras de jazz, eu sempre tive uma “cor” diferente na voz, uma rítmica sugestiva da bossa nova, algo que talvez tenha sido mais relacionado ao meu timbre vocal do que a influências por ouvir o estilo. A bossa para mim é o suingue da voz.

Você também atua como produtora musical ao lado do seu marido, Paulo Preto. De que modo essa atividade influencia na sua carreira de musicista e cantora?

Produção musical não é a área de atuação do meu marido. O Paulo trabalha comigo na produção dos meus shows, e já trabalhou na produção de shows de outros artistas; é fotógrafo de formação e compõe muitas canções comigo. Mas o trabalho de produção musical (inclusive a parte técnica de áudio) sou eu que realizo, há bastante tempo. Eu faço a produção musical de todos os meus CDs e também de outros artistas. Desde a seleção de repertório, passando por arranjos, gravação, edição, mixagem e masterização.

E acho que essas atividades influenciam muito minha carreira, pois alteram o modo de perceber o que está à minha volta, as características sonoras do momento que estou vivendo: timbres, frequências, texturas musicais.

Você se sente pertencente a alguma escola ou movimento da música brasileira? Sua obra dialoga, por exemplo, com a dos jovens artistas de São Paulo, como Marcelo Jeneci e Tulipa Ruiz?

Nunca tive interesse em inserir meu trabalho a um determinado movimento, ou classificar minha música. Acredito que o que une a produção musical dos artistas é a contemporaneidade, e essa união é mais saudável se for cheia de diferenças, ecletismos, cores. Comparações são inevitáveis, mas gosto que vivam no mundo da subjetividade. Com a quantidade de informações a que somos todos expostos, acredito que o diálogo musical seja mundial entre muitos artistas que transpiram a realidade particular, cada vez mais próxima.

Você é uma multiinstrumentista. Há algum instrumento com o qual sente mais familiaridade e que mais gosta de praticar atualmente? Aliás, de que modo essa questão interferiu no resultado do projeto Olivia e a Música: Nas Ruas da Cidade?

Meu instrumento de formação é o piano, é nele que me sinto totalmente à vontade para fazer e pensar música. Ultimamente tenho me dedicado muito ao violão, principalmente pelo projeto “Olivia e a Música: nas Ruas da Cidade”. O maior desafio está sendo fazer os arranjos de todo o meu trabalho autoral para dois violões, mas como acredito muito na força da canção e da melodia, estou muito feliz com o resultado.

Conte um pouco como é esse projeto. Em que locais que considera mais interessante já o apresentou e como tem sido a reação do público?

A música é uma companheira de todos, sem exceção, e suas propriedades terapêuticas sempre foram objeto de estudo para mim. O nível de estresse a que as pessoas são expostas numa cidade como São Paulo é absurdo. Uma artista independente como eu não tem acesso a mídias populares como o rádio. Então idealizei esse projeto pensando em tudo isso, na vontade de levar às pessoas a minha música, da maneira mais simples e crua possível.

Na rua, sem equipamentos de amplificação, apenas dois violões e a voz. O repertório é formado por quase 70 músicas, distribuídas em meus cinco CDs autorais (algumas parcerias e de outros compositores também desconhecidos do grande público). Convidei o músico e compositor Luca Batista para me acompanhar nessa empreitada. A reação das pessoas é diversa, mas tem sido muito positiva. Quando tocamos próximo a estações de metrô, o público fica mais interessado. Ele é mais variado e não possui um perfil específico.

Há a intenção de registrar o “Olívia e a Música: Nas Ruas da Cidade” num álbum ao vivo? Ou é algo para ser visto realmente ao vivo e nos sites de vídeo da internet?

A minha intenção é fazer um DVD desse material, com formato de documentário musical. Está sendo um aprendizado muito grande e gostaria de compartilhar isso. Mas independentemente disso, a ideia do projeto é alcançar as pessoas na rua e também o público da internet com os vídeos.

O lema do Milton Nascimento, o artista tem de ir aonde o povo está, a inspirou? Trata-se quase de uma volta ao passado, quando os artistas faziam questão de tocar as músicas ao vivo para o público ou algo moderno, associado a essas novas maneiras de se trabalhar com música na era da internet?

Esse lema é muito inspirador, sem dúvida! O amor pela música me leva a ter a vontade de ir atrás dos ouvidos, aonde quer que eles estejam. Mas hoje em dia tem muita gente que nunca está nas ruas, que está sempre atrás da telinha, fazendo do computador seu trabalho e lazer. Também quero chegar a esses ouvidos, mas com o “cheiro” da rua. Por isso os vídeos são produzidos assim, com uma câmera na mão e o ruído real da rua, para que o computador seja apenas uma janelinha!

O que você acha a respeito dessas novas ferramentas, como “pague quanto vale”, e do download gratuito na internet?

Divulgação é uma ferramenta que necessita de investimento e a cada dia surgem novos e cada vez mais criativos meios para utilizá-la. Já é comum produzir um CD pensando numa porcentagem de músicas para oferecer gratuitamente para download. Esse é um investimento. Sou contra distribuir todo o meu trabalho de forma gratuita, porque sei na pele a quantidade de horas de trabalho que envolve minha produção.

Acho que o público tem que conhecer e apreciar, e para isso precisa ter acesso fácil. Se você não está “disponível” na grande mídia precisa usar outras ferramentas, como essas. Há ainda o fator cultural. Aqui no Brasil não é costume comprar, é costume copiar. Há muito tempo é assim e é difícil mudar uma opinião geral, principalmente porque o valor final do CD ainda é muito alto para se encaixar na renda da população. O importante é sempre buscar o equilíbrio nas ações para que o investimento em divulgação não se transforme em desvalorização do trabalho.

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