Cláudio Assis mostra submundo de Recife e lembra Glauber Rocha em ‘Febre do Rato’

Matheus Nachtergaele, no novo filme de Cláudio Assis, retrato da periferia de Recife e de uma geração Há dez anos, o cineasta pernambucano Cláudio Assis chamava atenção ao apresentar uma […]

Matheus Nachtergaele, no novo filme de Cláudio Assis, retrato da periferia de Recife e de uma geração

Há dez anos, o cineasta pernambucano Cláudio Assis chamava atenção ao apresentar uma nova estética, marcada pela “sujeira” e pela temática do submundo, ao cinema brasileiro, com o premiado longa-metragem “Amarelo Manga”. Nessa sexta-feira (22), estreia seu mais novo longa-metragem, “Febre do Rato”, que parece dialogar com um dos maiores clássicos da cinematografia do país – “Terra em Transe”, realizado pelo baiano Glauber Rocha, em 1967.

Em “Febre do Rato”, o criador e autor de um jornal alternativo, o poeta Zizo, interpretado por Irandhyr Santos e registrado em imagens em preto e branco, sobe em um carro e, com um megafone nas mãos, convida a todos que o escutam a tirarem a roupa numa atitude de liberdade. Na primeira cena, ele aparece dentro de um barco, navegando pelo rio poluído e recitando os versos do poeta Miró, bastante popular na capital pernambucana, com o mesmo megafone. Quarenta e cinco anos antes, um jornalista idealista e poeta Paulo Martins (Jardel Filho) tem os olhos fechados e a boca tampada, em “Terra em Transe”

 As semelhanças entre os dois filmes não se resumem à profissão do protagonista, a opção pelo preto e branco, e ao uso de uma linguagem audiovisual poética, baseada em parábolas e metáforas. Mas está nas críticas que se faz aos impasses do país e a falta de possibilidade de se expressar livremente, pela exclusão social, no caso do filme atual; e da repressão política, no caso do clássico dos anos 1960.

Zizo mora no submundo de Recife e possui uma série de amigos, saídos da malandragem, que se divertem fazendo sexo e perambulando pela cidade. Até que se apaixona por uma garota, Eneida, muito bem vivida por Nanda Costa, que finge não corresponder aos seus galanteios. A escolha do nome de um dos mais célebres poemas escrito por Virgílio, não foi aleatória. Entre os amigos, destaca-se o coveiro Pazinho (Matheus Nachtergaele), que namora um travesti. 

Como espécie de líder nesse ambiente marcado pela presença de ratos e a chance de leptospirose – “febre de rato” é também uma expressão nordestina que representa a pessoa que está fora de controle –, Zizo aproveita festas e encontros de amigos para recitar poemas e ser elogiado e admirado por todos.

Ao mesmo tempo, ele mantém, como amantes, duas senhoras da terceira idade, com as quais adora tomar banho num tonel de madeira no quintal de casa. Há, portanto, pelo menos dois preconceitos inseridos de tal modo na trama que não são vistos como tabus e nem como fruto de preconceitos.

Tanto em “Terra em Transe”, como em “Febre do Rato”, a principal temática é a busca incessante, e nunca realizada plenamente, da liberdade num país marcado pela opressão. Desigualdade social e falta de espaço para se manifestar politicamente também unem os dois filmes, marcados pela crueza das imagens em preto e branco, e no desenho de alegorias contundentes e que colocam o espectador diante de seus preconceitos e pudores.

A diferença é que, enquanto Glauber Rocha parecia preocupado demais com a esquerda e a classe média de “um país fictício”, Cláudio Assis foca no submundo da periferia da capital pernambucana e, assim, traça uma espécie de retrato de geração.

“Febre do Rato” foi premiado, em 2008, no Festival de Paulínia (SP), como melhor filme, atriz (Nanda Costa), ator (Irandhyr Santos), fotografia (Walter Carvalho), direção de arte (Renata Pinheiro), trilha sonora (Jorge du Peixe), edição (Karen Harley) e prêmio da crítica. Também significa um avanço na filmografia de Cláudio Assis, que se sente pertencente a um grupo cinematográfico pernambucano, do qual fazem parte Paulo Caldas e Lírio Ferreira.

O cineasta, que gosta de trabalhar com alguns atores, caso de Matheus Nachtergaele e Dira Paes, começou a carreira como realizador de curtas-metragens, como “Soneto do Desmantelo Blue” (1993), “Viva o Cinema” (1996) e “Texas Hotel” (1999), até chegar ao longa “Amarelo Manga”, o qual foi seguido pelo também premiado “Baixio das Bestas”, de 2006.

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