História do hip-hop brasileiro vira bom romance pelas mãos de Toni C

O pesquisador, cineasta, DJ e agitador cultural Toni C teve uma ideia brilhante quando resolveu escrever o livro “O Hip-Hop Está Morto! – A história do Hip-Hop no Brasil”. O […]

O pesquisador, cineasta, DJ e agitador cultural Toni C teve uma ideia brilhante quando resolveu escrever o livro “O Hip-Hop Está Morto! – A história do Hip-Hop no Brasil”. O subtítulo já entrega o ouro. Ele assumiu o desafio de dar cara e coração ao Hip-Hop brasileiro ao transformá-lo num personagem que narra sua história de modo bastante romanceado para uma estudante que realiza uma pesquisa sobre o gênero musical para a faculdade.

Com prefácio de Dexter e contracapa assinada por Renan Inquérito, a obra já chega extremamente bem recomendada e conta com fotografias em preto e branco de 50 nomes importantes desse movimento cultural no país, incluindo figuras emblemáticas como Sérgio Vaz (Cooperifa), Nelson Triunfo, Rapin Hood, Thaíde, DJ KLJay e MV Bill, que é, inclusive, transformado em personagem. Também há uma homenagem aos falecidos Dina Di e Sabotage.

A primeira grande lição da obra é que hip-hop é uma manifestação cultural ampla, que engloba música (rap), artes visuais (grafite) e dança (b-boys), entre outros modos de expressão. Apesar de surgida fora do Brasil, ela chegou por aqui e rapidamente foi absorvida e transformada num importante meio de conscientização social, humanitária e política e manifestação artística. Também se tornou fundamental, por exemplo, para retratar a realidade dos presídios brasileiros, a qual até então era pouco conhecida e, ao mesmo tempo, tirar um pouco o estigma que pesa sobre os presidiários.

Diferentemente do que se pode imaginar, o hip-hop não está restrito aos grandes centros urbanos. Em Manaus (AM), há MC Fino, Art. 96, DJ Tubarão e MHM. Já em Rondônia há o movimento Hip-Hop da Floresta. Também não é exclusividade masculina. Muito pelo contrário. Há muitas mulheres participando ativamente da cena no país.

Outro aspecto importante da obra é que, no momento em que se descreve os saraus da Cooperifa e o modo como eles já renderam inúmeros frutos, Toni C aproveita para passar uma bibliografia básica do que há de mais importante já publicado em torno dessa literatura ainda considerada marginal, mas é que muito mais lida nas periferias do que muitos best-sellers que aparecem na lista dos mais vendidos dos grandes jornais.

“Aqui o Hip-Hop não é algo abstrato que não podemos tocar nem ver. Um rosto, um nome, uma identidade. Samara, a jovem estudante encantada pela vida, quer conhecê-lo de todas as formas. Um romance relâmpago te dará a oportunidade de se tornar íntimo da maior contracultura da humanidade”, relata Toni C, na apresentação do livro. E, justamente ao tentar escapar do abstrato, foi que o autor caiu numa armadilha. Hip-Hop torna-se uma figura tão caricatural e pouco crível, quanto Samara e suas colegas fúteis da faculdade. 

Hip-Hop parece muito menos encantador e importante do que de fato é. Assim também a futilidade detectada na classe média alta paulistana se torna generalizada, quando o que parece ser mais importante é justamente a mistura e a diversidade cultural. Foi isso que permitiu, inclusive, o surgimento do hip-hop como importante expressão nos subúrbios e morros brasileiros, levantando a importante bandeira da busca por mais justiça e melhores condições sociais num país tão desigual. O que tira um pouco o peso desse aspecto e o relativiza ocorre quando se elogia o trabalho desenvolvido pelo educador Frei Betto, junto ao hip-hop, quando atuava na prefeitura de São Paulo.

Outro problema é o uso da linguagem. Uma das principais referências do autor é o hoje clássico “O Mundo de Sofia”, do escritor norueguês Jostein Gaarder, em que ele narra a maneira como uma garota vai descobrindo o universo e a história da filosofia por meio de cartas e cartões postais que recebe misteriosamente. Porém, Toni C parece infantilizar demais o modo de narrar sua história, obviamente, muito envolvente e cativante, mas que, em muitos momentos, distancia o leitor, ao invés de aproximá-lo ainda mais.

Não importa. “O Hip-Hop Está Morto!” é uma obra de suma importância para quem deseja conhecer um dos mais importantes movimentos culturais do Brasil, com muitos detalhes enriquecedores até mesmo para quem já havia tido contato anterior com alguns desses artistas.

E, escapando do didatismo de muitos livros-reportagem, é bem capaz de atrair um número muito maior de leitores, em função de uma história de amor, com certa pitada de “Romeu e Julieta”, em que as diferenças sociais e também filosóficas aproximam, mas depois distanciam, os dois personagens.

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