Documentário faz retrato sublime de quebradeiras de coco

Cena de “Quebradeiras”, documentário que mostra dignidade e beleza na vida de mulheres endurecidas pelo trabalho (Foto: Divulgação) Com bastante atraso, chega aos cinemas de São Paulo e Rio de […]

Cena de “Quebradeiras”, documentário que mostra dignidade e beleza na vida de mulheres endurecidas pelo trabalho (Foto: Divulgação)

Com bastante atraso, chega aos cinemas de São Paulo e Rio de Janeiro, nessa sexta-feira (2), o documentário “Quebradeiras”, realizado por Evaldo Morcazel, em 2009. Sem a utilização de diálogos e depoimentos, o que é tão comum nesse gênero de filme, o realizador traça um profundo retrato do cotidiano das quebradeiras de coco de babaçu da região do Bico do Papagaio, que engloba trechos dos estados do Maranhão, Tocantins e Pará.

Esse cotidiano é marcado principalmente por muito trabalho, alguns momentos de diversão e também de religiosidade. As expressões e movimentos dessas mulheres tão fortes dispensam mesmo quaisquer declarações e falas, muitas vezes vazias. Tanto que uma das imagens mais bonitas é a da pequenez delas diante da natureza exuberante.

De forte influência do cineasta russo Serguei Eisenstein, a montagem, assinada por Marcelo Moraes, se vale da livre associação de imagens aparentemente desconexas, mas que, ao serem unidas, criam um terceiro sentido poético. É o caso, por exemplo, da imagem da dança dos cabelos de uma das quebradeiras num rio, unida a dança das folhas do coqueiro provocada pelo vento. A liberdade de um banho nu também é associada ao fruto do sustento e à amamentação. Não há aqui qualquer dose de erotismo e, talvez justamente por isso, aquelas mulheres maltratadas pela vida ganham uma beleza e uma sensualidade inesperadas.

Esse aspecto é bastante reforçado pela edição de som, realizada por Miriam Biderman, Ricardo Reis e Ana Chiarin, que torna aquela realidade ainda mais dura e acentua os ruídos provocados pelo trabalho, associada à trilha sonora de Thiago Cury e Marcus Siqueira. Durante boa parte do tempo, as cantadoras interpretam cantigas populares e regionais, que remetem ao trabalho. Um dos momentos mais sublimes é aquele que associa os passos dos dançarinos de uma ciranda com os movimentos braçais das quebradeiras. Não é à toa que o som foi premiado no 42º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, assim como a direção e a fotografia. O documentário também venceu o 22º Rencontres de Cinémas d’Amérique Latine de Toulouse, na França.

“Quebradeiras” confirma o talento de Evaldo Morcazel como um dos mais importantes documentaristas do cinema brasileiro. Capaz de encontrar beleza e poesia nas mais diferentes realidades, ele coloca em xeque códigos estabelecidos da linguagem cinematográfica, foge das convenções e obtém resultados singulares. Esse é o caso, por exemplo, dos sem-teto de São Paulo, retratados em “À Margem do Concreto”, de 2005; e de “O Cinema dos Meus Olhos”, a respeito da relação dos críticos e realizadores com o cinema. É bastante merecido, portanto, o fato de esse nem tão novo documentário ser dedicado ao professor, historiador e apaixonado pelo cinema brasileiro, Jean-Claude Bernardet.

Assista ao trailer do premiado filme de Morcazel:

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