Zélia Duncan arrepia em homenagem a Luiz Tatit

Cada um dos movimentos de Zélia Duncan em cena parece ter sido calculado milimetricamente pela diretora Regina Braga (Foto: João Caldas/Divulgação) Há tempos São Paulo não assiste a um show […]

Cada um dos movimentos de Zélia Duncan em cena parece ter sido calculado milimetricamente pela diretora Regina Braga (Foto: João Caldas/Divulgação)

Há tempos São Paulo não assiste a um show tão bem concebido, com canções sensacionais e interpretações de arrepiar. É simplesmente imperdível o espetáculo “TôTatiando”, em que Zélia Duncan interpreta as canções do compositor, professor da USP e integrante do grupo Rumo, Luiz Tatit, e é dirigida por Regina Braga.

O show (ou seria peça de teatro?) fica em cartaz em curtíssima temporada, até 18 de setembro, no teatro do Sesc Belenzinho, em São Paulo, com sessões quinta-feira, sexta-feira e sábado, às 21h, e domingo, às 18h.

Extremamente elegante de terno escuro e blusa regata, nos figurinos assinados por Lu Pimenta, Zélia Duncan parece se divertir como nunca num cenário fantástico e extremamente funcional criado pela diretora de arte Simone Mina. A banda, formada pelas feras dos instrumentos de cordas, Webster Santos e Tércio Guimarães, fica muito bem posicionada no canto do palco e interage com a cantora em momentos preciosos, tornando-se parte da narrativa.

A cidade de São Paulo é homenageada e citada no painel no fundo do palco e também em várias tiras que dão a impressão de serem de madeira, suspensas do teto. Há ainda um telão em que a artista contracena com a foto dela mesma quando jovem. Mais poético impossível.

Cada um dos movimentos de Zélia Duncan em cena parece ter sido calculado milimetricamente pela diretora Regina Braga, de modo a que o espectador consiga visualizar todos os personagens apresentados e penetrar nos versos surpreendentes e espetaculares de Luiz Tatit, responsável por demonstrar a grande importância que tem a musicalidade de cada um dos fonemas que utilizamos na fala.

“Todos nós, falantes da língua, produzimos ‘canções’ – entoações mais frases verbais – que em geral não merecem ser fixadas. Ao contrário, tendem a ser esquecidas logo após a comunicação. No entanto, alguns de nós, provavelmente levados por ímpetos artísticos, consideramos que vale a pena perenizar trechos dessas falas de modo que possam ser repetidos e até cantarolados em coro pelas pessoas. É quando nos pomos a compor”, declara o próprio Tatit, em trecho do livro “Todos Entoam”, reproduzido no programa do espetáculo.

O fato é que, durante o tempo todo, o público se delicia com versos extremamente ternos, como os de “Sonhei”, “Sem Destino” e “De Favor”, e se divertem com outros de grandes tiradas e sacadas bem paulistanas, como Ah!”, “Eu Sou Eu”, “Felicidade” e “Haicai”, numa interpretação sensacional de Zélia.

Há ainda uma bela homenagem a própria cidade de São Paulo em “Esboço”: “E ele vagueia, vagueia / Vagueia como se fosse um cachorro / Avança, volta um pouco / Chegando até Socorro / Lá ele não conhece muita gente / Então pega a Marginal, o Jóquei Clube / E segue em frente / Gosta de entrar um pouco na USP”. No final, é impossível não deixar o teatro embevecido com o que se viu e com a nítida sensação de que esteve diante de algo muito importante, singular e inesquecível para a história da música popular brasileira.

Afinal, não é todo dia que uma artista de Niterói, mas que viveu muitos anos em Brasília e hoje é merecidamente reconhecida como uma de nossas melhores cantoras e compositoras, interpreta um artista do quilate do paulistano Luiz Tatit, que, em 23 de outubro, completa 60 anos.

“TôTatiando é uma declaração de amor à obra de Luiz Tatit e à São Paulo, cidade que sempre despertou minha curiosidade e aguçou meu desejo de ser artista. Não é show. Mas é música. Música e palavra. É a proposta de representar algumas de suas músicas, onde eu e minha preciosa diretora, Regina Braga, enxergamos possíveis personagens. É assim como juntar uns amigos pra ver o sol nascer. Mesmo que você olhe fixamente pro horizonte, dificilmente vai ser capaz de afirmar o exato momento em que o sol deixou de ser resto de noite”, completa Zélia, no programa.

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