Geraldo Maia homenageia compositor pernambucano Manezinho Araújo

“Namoro” com Manezinho vem desde a adolescência de Geraldo Maia (Foto: Divulgação) “Saudade que aperta, que dói, que maltrata / De uns olhos vermelhos / De um beijo na boca, […]

“Namoro” com Manezinho vem desde a adolescência de Geraldo Maia (Foto: Divulgação)

“Saudade que aperta, que dói, que maltrata / De uns olhos vermelhos / De um beijo na boca, de um luar de prata / Meu Deus se eu pudesse / Fazer o que manda o meu coração / Voltava pra lá ou trazia / Pra cá todo meu sertão…”. Esses versos sofridos são de Manezinho Araújo, em “Adeus, Pernambuco”, parceria com Hervê Cordovil, homenageado no excelente CD “Ladrão de Purezas”, de Geraldo Maia. 

Manuel Pereira de Araújo, mais conhecido como Manezinho Araújo, nascido em Cabo de Santo Agostinho, em 2010, e falecido no mesmo local em 1993, tornou-se grande nome da música brasileira, a ponto de ser conhecido como “Rei da Embolada”, até abandonar tudo para se dedicar à pintura, onde também destacou-se. São deles algumas canções bem candentes, como “Beata Mocinha”, composta com Zé Renato; “Novo Amanhecer”; e “Mulher Rendeira”, adaptada do folclore pernambucano.

O tributo parte de um artista pernambucano que tem quase 25 anos de carreira e que ficou inconformado com o fato do centenário de Manezinho Araújo ter passado praticamente despercebido e que se faz acompanhar de excelentes músicos, como o violonista Vinicius Sarmento, surpreendentemente de apenas 18 anos; e o percussionista Lucas dos Prazeres. O paulista Eduardo Montagnari participa de “Mulher Rendeira”; os excelentes sambistas Lucas dos Prazeres, de “Seu Mané é Um Homem”, e Vinicius Sarmento, de “Jogado Fora”; e o acordeonista Júlio César, de “Adeus, Pernambuco”.

Em “Ladrão de Purezas”, apelido carinhoso com o qual Manezinho era chamado pelos amigos, há também lindos sambas marotos, como “Juntou a Fome”, “Não Sei O Que É Que Faça” e o clássico “Seu Dureza da Rocha Pereira”; o xote “Quando a rima me fartá”; e a maliciosa “Vatapá”: “Um velhote de oitenta / Completamente gagá / Ouviu a voz da ciência / E se meteu no vatapá / Pra mostrar o quanto vale / Um vatapá pra vocês / O velhote de oitenta / Vai ser papai este mês!”.

Leia a seguir entrevista cm Geraldo Maia.

Como surgiu a ideia de realizar um tributo a Manezinho Araújo?
Meu “namoro” com Manezinho já vem de algum tempo. Na verdade, foi meu pai quem me chamou atenção para as emboladas dele, ainda na minha adolescência. Muito tempo depois comecei a me interessar realmente pelas músicas dele. Em 2007, gravei um CD, “Samba de São João”, no qual inclui “Sôdade de Pernambuco” e “Pra onde vai, valente?”, ambas de Manezinho. Até que coincidiu de o ano passado ter sido o centenário de nascimento dele e achei que era o momento exato para prestar essa homenagem, esse tributo.
 
Quando você entrou em contato pela primeira vez com a obra de Manezinho o que mais o encantou?
Foi por meio da figura do meu pai, que ficava encantado cada vez que ouvia no rádio uma embolada dele. Mas eu era muito jovem, e isso é apenas um registro da minha memória afetiva em relação ao meu pai, muito mais do que uma identificação com aquela sonoridade que me era por ele apresentada, pois na altura da minha adolescência minhas referências estavam orientadas para outras escolhas musicais.

Como foi selecionar as canções para o CD? Quais critérios você adotou, uma vez  que muita coisa deve ter ficado de fora?
Eu sempre tomo o mesmo norte na escolha do que cantar: minha intuição. “Sinto” quando a música é adequada pra minha voz, meu jeito, meus maneirismos e minhas esquisitices (rsrsrs). É claro que nem sempre o resultado sai a contento, só porque “intuí” que aquela canção me caberia bem na voz. Mas em geral acerto. No caso desse disco em particular, eu quis, deliberadamente, deixar de fora as emboladas e ressaltar Manezinho como um compositor plural, de múltiplas facetas. Dentro disso, busquei, é lógico, as músicas com as quais mais me afinava e que serviriam melhor na formação que escolhi para o disco (essencialmente violão de 7 cordas e pandeiro).

Como estão os shows desse CD? Você incluiu mais canções que não fazem parte do disco e como tem sido a recepção do público a essas canções?
A gente está ensaiando para começar a fazer shows. A formação para os shows é diferente: serão dois violões de 7 (Vinícius Sarmento, que fez o disco e Rodrigo Samico) e três percussionistas (Lucas dos Prazeres, que gravou o CD e mais Grilo e Amendoim). No show, incluímos outras canções de Manezinho, como as duas a que me referi do CD Samba de São João, por exemplo.

Por que pode ter pairado durante algum tempo certo esquecimento da obra de Manezinho Araújo?
Continua pairando, em que pese o meu esforço e de alguns que começam a levantar voz em favor da obra dele. Vejo como parte das nossas misérias esse esquecimento a que ele foi relegado. Um esquecimento que é fruto de uma nossa memória “seletiva”, algo totalmente arbitrário e esquizofrênico. Manezinho Araújo foi um grande mestre, ele se insere perfeitamente bem naquilo que reputamos como o melhor da tradição musical brasileira. Precisamos nos redimir desse grave pecado. O “Ladrão de purezas” foi o modo que encontrei de fazer a minha parte.

Como foi a seleção dos músicos que o acompanhariam nesse CD e dos convidados especiais?
Quis fazer um disco simples, orgânico, sem truques, despojado, e, ao mesmo tempo, que tivesse sua força focada nas canções em si. Minha busca foi de ressaltar a qualidade da obra dele, despojando-a dos cosméticos da era pós-moderna, dos recursos tecnológicos hoje tão em voga e deixando que se ressaltassem por si só a beleza, a ternura e o lirismo que permeiam toda a obra dele. Me assessorei de dois jovens incríveis talentos e chamei um amigo (Eduardo Montagnari) para dividir os vocais de uma das faixas. Nada mais que isso.

Como surgiu a ideia de convidar José Teles e Aline Rezende para escreverem no encarte do CD?
José Teles é um jornalista que tem um vasto conhecimento de música brasileira e é uma pessoa que tem sensibilidade para compreender o meu trabalho e o caminho que venho traçando. Aline Rezende (sobrinha e única herdeira da obra de Manezinho) foi um “achado”. Conseguimos chegar a ela na hora da liberação das músicas junto às editoras. Uma pessoa incrível, de uma sensibilidade muito grande. Um ser amoroso, e que ficou muito feliz de saber que alguém estava se debruçando sobre a obra dele. Por isso escolhi que ela fizesse uma fala. Fala essa carregada de afeto e emoção. De alguém que conviveu de perto e de modo estreito com Manezinho e Dona Lalá, sua companheira inseparável.

[email protected]