Documentário tenta reforçar imagem de Tancredo Neves como herói nacional

Logo nos primeiros minutos do documentário “Tancredo, a Travessia”, dirigido pelo cineasta Silvio Tendler e que conta com narração dos atores José Wilker, Beth Goulart e Cristiane Torloni, é fácil […]

Logo nos primeiros minutos do documentário “Tancredo, a Travessia”, dirigido pelo cineasta Silvio Tendler e que conta com narração dos atores José Wilker, Beth Goulart e Cristiane Torloni, é fácil perceber estar-se diante de uma produção “chapa branca”, que visa emocionar o público e, desse modo, estabelecer a criação de um herói nacional.

Conciliador, cativante e democrático são alguns dos adjetivos a que se propõe chegar ao assistir o filme. Porém, seria um político capaz de não cativar, ao longo de sua trajetória, vários desafetos? E se eles existiram, por que não escutá-los ou, ao menos, mencioná-los?

Quando num filme a respeito de uma personalidade pública e política visa-se estabelecer a diferença entre bem e mal, algo parece indicar estar-se indo a alguma direção não muito confortável, que, inevitavelmente, levará à pergunta: “O que se procura esconder para tornar um homem num herói?”. É o que acontece em “Tancredo, a Travessia”, onde há depoimentos de uma maioria de integrantes do atual PSDB, entre eles Fernando Henrique Cardoso, José Serra e o neto do próprio Tancredo e atual senador de Minas Gerais, Aécio Neves.

Mestre na arte de documentar a trajetória de personalidades políticas, como João Goulart, Juscelino Kubitscheck e Carlos Marighella, Silvio Tendler parece errar na mão e criar até algumas dramatizações de fatos históricos desnecessárias e despropositadas.

Além de associar Tancredo ao maior mito da política brasileira, por que representar uma reunião dos ministros do então presidente Getúlio Vargas pouco antes de ele morrer? Mais estranho ainda é ver as interpretações de Osmar Prado, como o próprio Getúlio; Paulo César Pereio, como um dos ministros; e Helena Ranaldi, como filha do presidente. Nesse momento, fica-se sabendo, por exemplo, que Tancredo Neves estava na sala ao lado quando o presidente tirou a própria vida no quarto onde dormia.

A maneira como Tancredo Neves atuou entre os períodos dos presidentes João Goulart e Jânio Quadros, também soa nebulosa, assim como a estranha amizade estabelecida com Juscelino Kubitscheck. Porém, é possível afirmar aqui que a política brasileira sempre se fez com alianças estranhas e insuspeitadas, o que se verá mais adiante quando o próprio Tancredo se juntará a Aureliano Chaves e José Sarney para ser o primeiro presidente civil, mesmo sendo eleito indiretamente, após duas décadas de regime militar. A aproximação com o marechal Castelo Branco também não é muito bem explicada no filme.

A trajetória da campanha das Diretas Já é a parte mais emocionante do filme, desde os comícios que levaram milhões de pessoas às ruas em todo o Brasil e reuniu num mesmo palanque figuras tão diferentes, como os futuros presidentes Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva, o então senador Teotônio Vilela, o então governador do Rio de Janeiro, Leonel Brizola, o autor da emenda constitucional Dante de Oliveira e os artistas Osmar Santos, Cristiane Torloni e Fafá de Belém.

A derrota da emenda é igualmente inesquecível e registrada com todo o merecido brio no documentário, quando os populares presentes na plenária se levantam, pedem para Paulo Maluf ser preso e cantam o Hino Nacional. Do mesmo modo, é mostrado todo o sofrimento e os dias de angústia da internação de Tancredo Neves, que não consegue nem mesmo tomar posse.

Um detalhe é curioso: a oposição queria que o presidente do Congresso, Ulysses Guimarães, tomasse posse, mas por pressão de parte dos militares, quem assume é o vice José Sarney. Só o tempo mostraria as conseqüências. Porém, o que fica mesmo é a frase dita por Tancredo a Aécio pouco antes de morrer: “Eu não merecia isso”.

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