Desenvolvimento em Foco

Antidumping, liberdade econômica e as cadeias de suprimento

As medidas antidumping podem proteger produtores nacionais de concorrência desleal, ajudando a manter estáveis os preços dos produtos nacionais

Pixabay
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Em nota técnica na 24ª Carta de Conjuntura do Observatório de Conjuntura e Empreendedorismo da Universidade Municipal de São Caetano do Sul (Conjuscs), tratamos da questão das relações entre acordos antidumping, liberdade econômica e cadeias de suprimento. Aqui uma síntese da nota. Com a globalização e o aumento no volume de negócios transnacionais, é possível identificar diversas práticas que atentam contra o comércio e a concorrência leal. Para endereçar essa problemáticas, o Brasil aceitou fazer parte do que ficou conhecido como Acordos Antidumping e de Subsídios e Medidas Compensatórias do Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio.

Ou General Agreement on Tariffs and Trade, Gatt, na sigla em inglês, cuja implementação só ocorreu em 1987, em virtude de outras formas existentes de proteção comercial e rígidos controles administrativos de importação antes existentes. Ademais, o Gatt foi substituído em 1995 pelo Entendimento Relativo às Normas e Procedimentos sobre Solução de Controvérsias (ESC). 

O antidumping vem do inglês, to dump, funcionando como um instrumento de defesa comercial e tem como característica a proteção da indústria doméstica de um país, por meio da aplicação de certas medidas, por exemplo, quando um país exporta algum produto a um preço inferior ao comercializado em seu mercado local.

As medidas antidumping têm papel fundamental para manter uma concorrência de preço justo e leal entre os fornecedores de diferentes procedências. É importante lembrar que as medidas só são aplicadas caso a indústria doméstica sofra prejuízos provocados pelas práticas citadas. A proteção aos consumidores nacionais também vem a reboque dos objetivos do antidumping.

Primeiros passos

Os primeiros países que estabeleceram regras relacionadas ao antidumping foram Canadá, em 1904, e Estados Unidos, em 1916. Neste último, foi publicado um conjunto de regras denominado Antidumping Act e posteriormente, em 1921 foi editada a Lei US Antidumping Act.

Tais normas serviram como base para o Gatt em 1947. Atualmente, muitos são os países signatários de tratados internacionais que lhes permitem a aplicação de medidas antidumping para proteger sua indústria de práticas concorrenciais desleais, sejam países desenvolvidos ou em desenvolvimento.

Nos processos de investigação de ocorrência de dumping, existem diversos critérios, como os valores normais e os preços de exportação, comparados transação a transação, sendo o “valor normal” aplicado ao preço do produto similar em operações comerciais normais, sendo destinado ao consumo no mercado interno do país exportador.

As medidas antidumping estão caracterizados pelas imposições tarifárias adicionais à importação, ou seja, são formas de intervenção no domínio econômico, alicerçadas nas regras e princípios de direito econômico, que permitem ao Estado interferir caso constate que essa ação esteja gerando danos à indústria doméstica. Aliás, vale destacar que recentemente o vice-presidente, Geraldo Alckmin, se comprometeu a priorizar o que chamou de “reindustrialização” do Brasil, como forma de rumar para o desenvolvimento econômico e social.

No Brasil, ao menos desde a década de 1990, medidas antidumping vêm sendo aplicadas em maior ou menor escala, com o objetivo impedir os efeitos danosos da prática de dumping à indústria nacional e servem como uma proteção de mercado a setores já danificados por outras falhas, como cartel, monopólio etc.

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Mesmo sendo parte da política econômica, é importante observar que essa intervenção do Estado no domínio econômico deve levar em consideração conceitos e princípios do Direito Internacional, Econômico e Constitucional.

Grande parte desses princípios está prevista na Constituição de 1988, de forma explícita, desde o objetivo de garantir o desenvolvimento nacional, passando pela independência nacional, até o rol de princípios que regem a Ordem Econômica e Social, como a livre concorrência e o combate ao abuso do poder econômico.

O problema é que, em excesso, o remédio pode se tornas um veneno. Organismos como a OMC, ONU e OCDE advertem que práticas excessivamente protecionistas, assim consideradas as medidas antidumping quando seu uso é excessivo, ofendem a economia global e a liberdade econômica.

Atualmente, o Brasil tem dezenas de medidas antidumping vigentes. Embora se possa discutir qual seria a dose ideal de tais medidas, fato é que elas refletem uma lógica de interesses legitimados pela soberania nacional, que deve ser usado racionalmente.

Em tempos de pandemia, guerra e instabilidades políticas como esses que estamos vivendo, as cadeias de suprimentos globais vêm passando por um rearranjo, senão por verdadeiras quebras. Por isso, o uso de medidas antidumping requer estratégia e ainda mais ponderação e cautela, sob pena de provocarem escassez e desabastecimento e o resultado desse cenário de escassez, como sabemos, é a inflação.

Medidas antidumping podem afetar a inflação

Por um lado, as medidas de antidumping podem proteger os produtores nacionais de concorrência desleal, ajudando a manter os preços dos produtos nacionais estáveis. Por outro lado, as medidas de antidumping podem levar a uma redução na oferta de certos produtos, o que pode aumentar os preços. Além disso, as medidas antidumping podem levar a tensões comerciais com outros países, o que pode afetar as relações econômicas e, consequentemente, afetar a inflação.

Na conjuntura atual, é difícil prever com precisão como as cadeias globais de valor afetarão a inflação em 2023 e nos anos seguintes. A pandemia ainda está afetando as economias mundiais e o comércio internacional, e as tentativas de recuperação econômica ainda estão em curso, ao mesmo tempo em que as cadeias globais de valor estão sendo afetadas por eventos geopolíticos e mudanças na política comercial que podem impactar os preços e a inflação.


Autores

  • Clayton Vinicius Pegoraro de Araujo é advogado, pós-doutor em Economia Política, doutor em Direito das Relações Econômicas Internacionais, mestre em Direito e especialista em Direito Público. Professor do Programa de Mestrado Profissional em Economia e Mercados e da USCS.
  • Letícia Menegassi Borges é advogada, mestre e doutoranda em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Docente convidada da Pós-Graduação Lato Sensu em Direito Tributário da Universidade Presbiteriana Mackenzie, em Campinas (SP).
  • Matheus Theodoro da Fonseca é bacharel em Ciências Econômicas e discente do Programa de Mestrado Profissional em Economia e Mercados (MPECON-Mackenzie).
  • Maurício Loboda Fronzaglia é bacharel em Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo, mestre em Ciência Política pela Universidade Estadual de Campinas e doutor em Ciência Politica pela Universidade Estadual de Campinas. Professor do Programa de Mestrado Profissional em Economia e Mercados (MPECON-Mackenzie) e da EAESP/FGV.
  • Vinícius Resende Domingues é pós-doutorando em Engenharia de Infraestrutura Aeronáutica pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica-ITA. Doutor e mestre em Geotecnia pela UnB e discente do Programa de Mestrado Profissional em Economia e Mercados (MPECON-Mackenzie).
  • Willyam Mayorga é bacharel em Administração de Empresas e discente do Programa de Mestrado Profissional em Economia e Mercados (MPECON-Mackenzie).


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