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Créditos tributários e alíquota efetiva: bancos transformam ‘despesas’ em ‘receitas’

Bancos costumam dizer que pagam muitos impostos, mas a sua “restituição” garante lucros bilionários e reduz grandemente a dita “carga tributária” do sistema

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Os créditos tributários impactaram nos resultados dos maiores bancos do Brasil nos últimos anos. Apesar de ser o setor com a maior alíquota nominal no país de IRPJ e CSLL, somados, foram recolhidos impostos com alíquota efetiva bem menor que a nominal. Em alguns momentos, transformando uma conta de despesas em significativa receita e contribuindo para os lucros já tão elevados dessas instituições. A íntegra desse estudo deverá compor futura Carta de Conjuntura do Observatório de Políticas Públicas, Empreendedorismo e Conjuntura da Universidade Municipal de São Caetano do Sul (Conjuscs).

No Brasil, em média, 33% do faturamento empresarial é dirigido ao pagamento de tributos. Somente o Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) podem atingir o equivalente a 51,5% do lucro líquido apurado. Com essa elevada carga tributária, a complexidade da legislação e, tendo em vista a crescente competitividade no mercado, a gestão tributária torna-se uma importante estratégia para as empresas na busca de redução de custos. A partir da contabilidade tributária, é possível traçar um bom planejamento em conformidade com a legislação vigente.

Estando os tributos entre os maiores custos das empresas, estar atento, portanto, é determinante. Um erro de interpretação pode acarretar em despesa financeira desnecessária, diminuindo o resultado da companhia. O planejamento tributário tem por finalidade a racionalização dos tributos pagos pelas empresas, sendo indispensável no planejamento estratégico de qualquer empresa. Esse planejamento passa pela análise das possibilidades de compensação e redução da carga tributária e “resgate” dos créditos tributários, quando houver.

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O setor bancário é de extrema relevância na economia, sendo responsável pela intermediação entre poupadores e quem precisa de recursos financeiros. Altamente regulado, se exige dos bancos a manutenção de níveis mínimos de depósitos no Banco Central, como também de capital, em atendimento às regras de Basileia. Ademais, o setor tem a maior alíquota nominal sobre os lucros no país, podendo chegar a 45% (25% de IRPJ e 20% de CSLL), o que é motivo de muitas queixas de seus representantes. No entanto, os bancos conseguem, a partir dos créditos tributários, reduzir, significativamente, suas alíquotas efetivas de tributação.

Nos últimos anos, impostos e contribuições impactaram os resultados dos cinco maiores bancos do país, especialmente, nos anos em que o Governo Federal elevou a alíquota da CSLL (2015 e 2020). No entanto, o impacto não se deu pelo esperado aumento dos valores a pagar e, sim, pelo saldo dos impostos diferidos superando esse montante.

Os créditos tributários (ativos ficais diferidos) correspondem ao direito de retorno do pagamento de uma obrigação tributária. Surgem quando uma empresa recolhe impostos acima do valor devido ou quando deixa de tomar créditos em razão de suas aquisições. Podem ser de dois tipos: “Diferenças Temporárias” e “Prejuízo Fiscal”. A maior parte dos créditos tributários nos bancos é composta por diferenças temporárias decorrentes das provisões para créditos de liquidação duvidosa (as PDD). As adições temporárias são despesas que afetaram o lucro líquido contábil e são adicionadas temporariamente ao lucro real, para compor a base de cálculo sobre a qual incidirão IR e CSLL, trazendo impacto no resultado do período e gerando direito de recuperar-se dos valores pagos a mais, em períodos subsequentes.

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De R$ 110 bilhões em créditos tributários nos bancos, em 2013, R$ 60 bilhões tinham origem nessas diferenças, não sendo excluídos da base de capital caso estes comprovem capacidade de geração de lucro tributável futuro. Instituições que não gerem resultados suficientes terão tais créditos transformados em créditos tributários de prejuízo fiscal, excluídos da base de capital.

No Brasil, créditos tributários decorrentes de prejuízos fiscais ou diferenças temporárias não expiram, mas, para serem “ativados” no ativo fiscal diferido é preciso demonstrar que a instituição terá lucros tributáveis nos dez exercícios seguintes ao período em que se constituiu o prejuízo fiscal em questão e, então, tais créditos serão reconhecidos. O saldo é revisado ao final de cada período. Quando não for provável que lucros tributáveis futuros estarão disponíveis para permitir a recuperação de todo ou parte do ativo, o saldo é ajustado pelo montante que se espera recuperar.

Com dados de 90 instituições financeiras, entre 2010 e 2019, um estudo apurou que os bancos recolheram impostos a uma taxa efetiva tributária média de, apenas, 21,9%. Por sua vez, outro estudo para o mesmo período, porém com os 10 maiores bancos privados, apenas, apurou alíquota efetiva plena (que considera a despesa com IR e CSLL, corrente e diferida, sobre o lucro antes dos tributos sobre a renda) de, apenas, 14,3% sobre o lucro, ou seja, um terço da alíquota nominal média do setor, sugerindo que, quanto maior a carteira da instituição, maior pode ser o montante de créditos tributários a serem descontados e, menores as taxas de tributação, de fato, recolhidas.

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Quando se aprovou a Lei nº 13.169/15, aumentando a alíquota da CSLL de 15% para 20%, a lei contribuiu, também, para elevar os estoques de créditos tributários dos bancos. Estudo do DIEESE sobre o desempenho dos cinco maiores bancos do país (Banco do Brasil, Itaú Unibanco, Bradesco, Caixa Econômica Federal e Santander) destacou os impactos dos créditos tributários nos resultados desses bancos, a partir do terceiro trimestre daquele ano, quando a Lei entrou em vigor.

O saldo dos tributos dos cinco bancos passou de uma despesa de R$ 10,1 bilhões, em 2014, para uma expressiva receita de R$ 39,3 bilhões, em 2015. Ou seja, a alíquota maior reflete não apenas nos valores a recolher, como também, nos montantes de impostos diferidos. Diante disso, em 2015, os lucros dos cinco bancos somaram R$ 69,9 bilhões, com alta de 16,2%. O saldo positivo com os impostos representou mais de 56% desse resultado.

Já em 2020, ano da pandemia da Covid-19, em que os bancos constituíram provisionamento extraordinário diante da expectativa de um cenário catastrófico e possibilidade de significativa alta das taxas de inadimplência, devido ao fechamento das atividades ocorrido quando se decretou a quarentena nos estados (expectativa, esta, que não se efetivou ao final do ano, em função dos programas de prorrogações e renegociações de crédito), novo aumento da alíquota entrou em vigor a partir de março, passando, novamente, de 15% para 20%. 

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O resultado antes dos impostos e participações dos cinco bancos, somado, apresentou queda de 52,4%, passando de R$ 103 bilhões para R$ 49 bilhões, em 12 meses. Com exceção da Caixa, com uma despesa de R$ 1,2 bilhão no saldo com impostos, nos demais bancos, os impostos diferidos superaram os impostos a pagar. Os créditos tributários resultaram em uma receita com impostos e contribuições de R$ 28,2 bilhões. O elevado provisionamento afetou negativamente os lucros, num primeiro momento, porém, os impostos contribuíram, significativamente, para o resultado líquido de R$ 79,3 bilhões no ano, com queda de 25,2%, em 12 meses. Queda que seria mais significativa sem os créditos recuperados.

Ou seja, nos dois períodos, se a intenção do Governo Federal era elevar a arrecadação a partir do aumento das alíquotas sobre um setor tão lucrativo como o bancário, o efeito foi inverso e a Receita Federal precisou devolver mais do que arrecadou. E, a partir dessas análises, pode-se dizer que, ainda que os bancos tenham tratamento diferenciado em relação aos demais setores da economia brasileira, devido ao risco em suas operações, tais resultados demonstram que a gestão tributária é de extrema importância para essas instituições, com resultados expressivos.


Vívian Machado é mestre em Economia Política pela PUC-SP e técnica do Dieese na Subseção da Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (Contraf-CUT) e colaboradora do Observatório Conjuscs.

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