Ariovaldo Ramos

Por detrás da fome, para a transformação do Brasil a reforma agrária se impõe

A função social da propriedade urbana dá prioridade à moradia. E no mundo rural, à produção de alimentos e à segurança alimentar, via reforma agrária

K. Mohit/CC Wikimedia
K. Mohit/CC Wikimedia

Na estrada da transformação do Brasil uma medida se impõe, a reforma agrária. O país tem sofrido de aguda injustiça fundiária desde o seu nascedouro: as chamadas capitanias hereditárias, onde portugueses recebiam incomensuráveis glebas de terra no país, foram as medidas escolhidas pela Coroa portuguesa para incentivar a colonização do país. Desde então, a nação brasileira sofre a desdita de ver grande parte de seu ativo fundiário na mão de poucos proprietários, isso sem contar que muitos destes proprietários galgaram essa posição por meios violentos e ilegais. Nada é tão confuso e tão eivado de corrupção no país quanto a questão da posse da terra.


Isaías 5.8-10

“Ai de vocês que compram todas as casas e se apossam das terras,
expulsando os antigos moradores, fixando placas de ‘Não entre’,
tomando conta do país e deixando a população sem abrigo e sem terra.
Ouvi, por acaso, o Senhor dos Exércitos de Anjos dizer: ‘Esses casarões vão ficar vazios”. Essas propriedades imensas ficarão desertas.
Uma vinha de dez alqueires produzirá apenas uma jarra de vinho, um barril de semente produzirá dez quilos de trigo”


Uma das questões subjacentes nesse desafio nacional é o princípio de que, uma vez tendo dinheiro, você pode ter quanta terra e casa quiser. Como se pode perceber, o princípio que norteia o texto é contrário a esse paradigma. Isto é, o texto impõe limites, ninguém pode ter tudo o que quer só porque pode. O princípio das escrituras impõe limites ao poder aquisitivo. E esse é o primeiro padrão que precisa ser atacado no país. É preciso impor um limite à posse, ao número de propriedades, ao tamanho das mesmas. Segundo as escrituras, ninguém pode concentrar propriedades a ponto de ameaçar a moradia ou direito a terra de todos. Justamente como acontece no Brasil.

Concentrando-nos na questão agrária, nos damos conta de que o país sofre, ainda, a agravante de que o latifúndio pratica a monocultura. Movido pelo que o mercado internacional melhor pague, que é o princípio do chamado agronegócio.

Esse princípio compromete a agricultura de subsistência, responsável pela produção de alimentos. É causador do êxodo rural, do aprofundamento da pobreza, da opção pelos transgênicos, pelo excesso de agrotóxicos. Atenta contra a economia popular e contra a soberania nacional. No caso do agronegócio porque vendemos os grãos e depois os readquirimos beneficiados pelos nossos antigos clientes, agora credores. E tem a questão dos transgênicos, porque acabamos por pagar royalties por algo em que, até então, éramos soberanos. Ainda, há que se considerar que os transgênicos transformam seres humanos em cobaias. E submetem o meio ambiente a impacto não prognosticável.

O que é preciso fazer no campo é também preciso fazer na cidade

No Brasil, a realidade da possibilidade de acumulação desmedida no mundo rural transferiu-se para a realidade urbana. Na cidade, uma pessoa pode, em tese, ser dona de todas as moradias, transformando todos os possíveis moradores da cidade em seus inquilinos.

Em princípio, a Bíblia não é simpática com a ideia de posse. E, sem dúvida, é totalmente contrária a acumulação e a concentração. De modo a que alguém tenha a possibilidade de ser a única moradora do lugar, ou seja, a única proprietária.

Em outras palavras, a Bíblia limita a posse de propriedades, porque questiona a lógica da propriedade privada. Logo, esse pretenso direito não pode ser usufruído às custas do direito de moradia a que todos os seres humanos fazem jus.

Portanto, na Escritura Sagrada, direito à moradia é superior ao direito à propriedade. O objetivo de Deus é que todos tenham moradia. Na fala de Jesus Cristo, isso está contemplado na fala sobre a nudez, em Mateus 25.36, quando disse. “Estava nu e me vestistes”. Ou seja, não me deixastes exposto a minha fragilidade. E o que cobre o ser humano, na vida em sociedade, é o usufruto do direito à moradia.

Assim, uma sociedade cristã prioriza a função social da propriedade urbana, portanto, à moradia.

E no mundo rural dá prioridade à produção de alimentos porque dá prioridade à segurança alimentar. Que só é possível em pequenas propriedades –  via reforma agrária. Até porque a Bíblia, como disse o profeta, não apoia o latifúndio.


reforma agrária

Ariovaldo Ramos é coordenador da Frente Nacional de Evangélicos pelo Estado de Direito e apresentador do programa Daqui pra Frente, toda quarta, às 20h, na TVT

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