Conquistas em xeque

A seguridade social brasileira e o cochilo dos ricaços

A seguridade social estabelecida pela Constituição de 1988 insuflou o ódio dos endinheirados, que nunca aceitaram pagar a conta dos direitos no país

Marcelo Camargo / Ag. Brasil
Marcelo Camargo / Ag. Brasil
Com a Constituição de 1988, foi criado o Sistema Único de Saúde (SUS), tornando a assistência à saúde dever do Estado e direito de toda a população

Desde que a Constituição aprovou as bases da seguridade social brasileira, este sistema está sob ataque pela elite econômica milionária. Na Assembleia Constituinte de 1988, a esquerda era minoria (47 deputados em 487). Mesmo assim, com a ajuda de parlamentares progressistas de outros partidos, conseguiram aprovar o conjunto de garantias de proteção social à população brasileira que persiste até hoje. A pressão popular foi fundamental para elaborar a chamada Constituição Cidadã de 1988.

A seguridade social foi construída num período de efervescência do movimento sindical, popular e estudantil, que reivindicava garantias e dignidade à população. A sociedade exigia o retorno da democracia e o fim do regime militar que concentrava renda e achatava salários. Foi criado o Sistema Único de Saúde (SUS), tornando a assistência à saúde dever do Estado e direito de toda a população. A Previdência Social passou a ser universal e obrigatória, incorporando milhões de trabalhadores rurais que até então não tinham direito à aposentadoria, assim como milhões de trabalhadores urbanos. O direito ao seguro-desemprego foi incorporado e, logo depois, o benefício de assistência social a idosos e incapacitados para o trabalho, integrantes de famílias de baixa renda.

A elite econômica brasileira cochilou, talvez acuada por seu apoio incondicional à ditadura moribunda, e o projeto de Estado de bem-estar social brasileiro foi desenhado. Paradoxalmente, aquele período histórico era dominado pelo pensamento neoliberal vigente nas instituições como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI), que obrigaram dezenas de países a privatizar saúde e previdência.

A Constituição manteve alguns e criou outros tributos específicos para financiar a seguridade social – além da contribuição patronal de 20% sobre a folha de pagamento, as contribuições sobre o lucro líquido (CSLL) e sobre o faturamento das empresas (Cofins). Uma heresia, aos olhos da elite econômica capitalista: além de conceder direitos à população, os donos do dinheiro ainda teriam de pagar a conta? Um argumento com boa dose de hipocrisia, pois os custos foram repassados aos preços finais de produtos e serviços pagos pelos consumidores.

Os avanços sociais insuflaram o ódio dos endinheirados, que nunca aceitaram pagar a conta. E não titubearam em dar o troco assim que puderam. Apoiaram os governos neoliberais da década de 1990, ajudaram a boicotar a implantação do SUS em detrimento dos planos de saúde privados que lucram com as enfermidades, pressionaram o Governo FHC a fazer a reforma da Previdência, que acabou com a aposentadoria por tempo de serviço. Implantou o tempo mínimo de contribuição para a aposentadoria por idade da população de renda mais baixa, que sobrevive boa parte do tempo na economia informal. Criou o fator previdenciário para reduzir os benefícios previdenciários da classe média com carteira de trabalho assinada.

Vieram os governos petistas e resgataram o caminho iniciado 1988. Aumento no teto de benefícios previdenciários, aumentos reais anuais do salário mínimo, crescimento de empregos formais, inclusão previdenciária via Microempreendedores Individuais (MEI) e regime tributário especial para micro e pequenas empresas (Simples), PEC das Empregadas Domésticas, ambulâncias e médicos espalhados por todo o Brasil, “popularizando” indevidamente a medicina na visão da elite econômica exclusivista. Um pesadelo para quem defende os privilégios da minoria.

Governo ameaça fundos de pensão com proposta de passar seus recursos ao setor financeiro


Para acordar do pesadelo, deram o golpe na democracia, apoiaram e elegeram o capitão transbordante de ódio, violência e preconceito, que vem cumprindo com louvor a missão que lhe foi dada de destruir todo o sistema de proteção social garantido pelo Estado. Negou a pandemia e as vacinas. Baleou a Previdência Social, reduzindo valor de aposentadorias e pensões, estabelecendo idade mínima e aumentando tempo mínimo de contribuição para dificultar o acesso à aposentadoria. A destruição só não foi mais profunda porque a maioria prejudicada protestou.

A elite milionária está bem acordada e não se envergonha mais de mostrar à luz do dia todo o seu ódio à redução das desigualdades sociais que começara a ser construída. E apoiará, novamente, quem abraçar o projeto de destruição do sistema de proteção social que vinha sendo edificado. Seja sob o comando do capitão miliciano ou de uma terceira via até agora inviável.

Em termos de seguridade social, a disputa nas eleições de 2022 será entre a retomada da construção de um sistema público de proteção social que inclua todos os brasileiros e a continuidade da destruição de tudo isto, até mesmo privatizar previdência e saúde, para deixar a maioria sem nenhuma proteção.


José Ricardo Sasseron foi presidente da Associação Nacional de Participantes de Fundos de Pensão e de Beneficiários de Saúde Suplementar de Autogestão (Anapar), diretor eleito de Seguridade da Previ e diretor do Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e Região