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O que tanto teme a diretoria do BNDES?

Desde janeiro a atual gestão da instituição recorre à Justiça para impedir que Arthur Koblitz, presidente da Associação dos Funcionários, assuma sua função no Conselho de Administração para o qual foi legitimamente eleito

Agência Brasil
Agência Brasil

A pergunta é pertinente porque, desde janeiro, a atual gestão da instituição recorre à Justiça para impedir que Arthur Koblitz, presidente da Associação dos Funcionários, assuma sua função no Conselho de Administração do BNDES para o qual foi legitimamente eleito com 73% dos votos dos empregados. Enquanto essa “novela” se desenrola, as reuniões do conselho acontecem (ordinárias e extraordinárias) e não por acaso toda a agenda denunciada em campanha pelo conselheiro eleito está sendo tocada, sem a participação de um legítimo representante dos empregados.

Desde 2013, os empregados do BNDES podem exercer o direito de escolher um de seus pares para participar do Conselho de Administração (CA) do BNDES, direito esse que se tornou obrigatório com a Lei 12.353/2010, passando a integrar o Estatuto do BNDES em 2012 e reafirmado posteriormente com a publicação da chamada Lei das Estatais (Lei 13.303/2016).

É importante registrar que a mesma legislação que garantiu tal direito também delimitou a atuação do representante dos empregados, restringindo-a em relação aos demais conselheiros uma vez que ao conselheiro eleito é vedada a participação nas discussões e deliberações sobre assuntos que envolvam relações sindicais, remuneração, benefícios e vantagens, inclusive matérias de previdência complementar e assistenciais, hipóteses em que fica configurado o conflito de interesses.

Vale ressaltar que tal limitação não diz respeito apenas às deliberações, incluindo também discussões a respeito dos temas, o que não é trivial para o que vamos ver mais à frente, pois ao se analisar eventual hipótese de conflito de interesses, isso já está, a priori, solucionado pela própria legislação.

Dessa forma, podemos imaginar que os empregados do BNDES há oito anos possuem um representante no Conselho de Administração do BNDES eleito democraticamente pelo corpo funcional para o exercício de seu mandato, certo? Errado!

Afronta à legislação

Infelizmente, isto não vale para a última eleição realizada em dezembro de 2020. O corpo funcional elegeu o empregado Arthur Koblitz, que também é presidente da Associação de Funcionários, mas até hoje a direção do BNDES não o empossou no cargo. E a ver pelos seus últimos atos, não pretende empossá-lo, numa clara afronta à legislação, à democracia e à vontade expressa pelos empregados, que deram a Arthur uma votação consagradora: quase 73% dos votos em primeiro turno. A disputa, vale destacar, envolvia mais dois candidatos, um dos quais o atual conselheiro eleito em 2017 e que vem tendo seu mandato prorrogado indefinidamente enquanto o BNDES segue com manobras jurídicas para impedir que o legítimo representante dos empregados tome assento no Conselho de Administração da instituição.

Um ponto relevante e que devemos registrar é que essa eleição teve três candidaturas bem distintas: uma a do atual conselheiro, o único que o BNDES já teve, considerando que foi eleito duas vezes e que tentava mais uma recondução; outra tinha um candidato que se apresentava com propostas exclusivamente técnicas; por fim, a candidatura de Arthur Koblitz, com postura abertamente contrária à política de atuação da atual administração do banco, claramente em oposição a decisões que considerava prejudiciais aos interesses do próprio BNDES. Com destaque para sua campanha contra a venda da carteira acionária da BNDESPar da maneira como estava prevista (e vem sendo implementada) e crítica à devolução antecipada de recursos ao Tesouro Nacional, por entender que, além de afrontar a Lei de Responsabilidade Fiscal, pode, somada a outras ações, inviabilizar o cumprimento do papel do BNDES como Banco de Desenvolvimento Nacional.

Dentre essas três opções, o corpo funcional foi enfático em optar pelo candidato que pugnava pela defesa do BNDES acima de qualquer coisa.

Representatividade

A atuação do conselheiro eleito não pode ser simplesmente técnica. Este conselheiro tem as mesmas obrigações dos demais. Ele, entretanto, não pode ficar descolado da posição e dos anseios dos empregados que o elegeram. Ou seja, além de possuir a qualificação necessária para ocupar o cargo, ele precisa ter representatividade!

É por essa razão que, sem desmerecer em nada o trabalho do colega que até então atuou como representante dos empregados no CA do BNDES, essa procrastinação por parte da direção do banco em dar posse ao conselheiro eleito democraticamente está prorrogando um mandato que não mais representa os anseios dos empregados da instituição. Essa demora não é só um ataque pessoal ao conselheiro eleito, mas é também uma afronta a todo o corpo funcional, que está sem uma representação legítima no CA, e à própria democracia, em função da não aceitação do resultado de uma votação inquestionável.

Voltando ao histórico e aos fatos atuais, é preciso registrar que desde o início do processo eleitoral a administração do BNDES tenta evitar a candidatura de Arthur Koblitz ao Conselho de Administração. De fato, estamos diante de um longo processo, no qual desde o início foi necessário o ingresso de medidas judiciais para garantir uma eleição ampla e impessoal.

Entidade de representação

Ainda no início do processo eleitoral foi aprovado novo regulamento no qual o BNDES pretendia impedir que detentores de cargo ou mandato em entidades de representação pudessem se candidatar, numa interpretação ampliada da lei que conta com esta vedação apenas para entidades sindicais (e mesmo tal dispositivo está sendo questionado em juízo, considerando que, como já foi dito, a própria lei já tomou as medidas necessárias para impedir eventual conflito de interesses do conselheiro eleito), claramente visando impedir a candidatura de qualquer membro da diretoria e conselhos da Associação de Funcionários. A AFBNDES entrou com mandando de segurança e a Justiça determinou a retirada da restrição a “entidades de representação”, na qual se enquadra a Associação.

Devido à pandemia do novo coronavírus, a eleição que estava marcada para março de 2020 foi suspensa sine die. Antes da sua realização, veio o momento de negociação salarial, discussão do Acordo Coletivo de Trabalho (ACT), que há décadas é realizada pela AFBNDES e, desde 1988, com o acompanhamento sindical, como determina a legislação. Ocorre que, em 2020, o BNDES tentou alijar a Associação dos Funcionários do processo, buscando impedir que a entidade participasse da mesa de negociação junto com o Sindicato dos Bancários do Rio e a Contraf-CUT, o que não ocorreu porque as entidades sindicais reafirmaram a legitimidade histórica e efetiva da Associação junto ao corpo funcional do BNDES.

No decorrer do processo, depois de várias perdas de direitos associativos e de representação da AFBNDES, o Acordo Coletivo de Trabalho emperrou em alguns pontos: um deles relativo à exigência de que diretores da Associação, para terem acesso a instrumentos necessários ao bom desempenho de suas funções, teriam que “ter mandato ou cargo em entidade sindical”. Assim conseguiriam impedir “legalmente” a candidatura do então presidente da Associação, que acabara de ser reeleito.

Vontade do corpo funcional

Enfim, após seis meses de negociação, protesto judicial e mediação no Tribunal Superior do Trabalho (TST), o ACT de 2020, cuja data-base é 1º de setembro, foi aprovado.

Logo depois, foram retomadas as eleições para o CA, cuja votação ocorreu na última semana de dezembro, um mês antes das eleições para os representantes sindicais de base do BNDES. Todos os diretores da AFBNDES se candidataram, os quatro mais votados seriam os titulares e os quatro seguintes ficaram na suplência. Arthur foi de fato um dos mais votados, mas imediatamente fez solicitação para que não assumisse o cargo, ficando em uma das suplências.

Após a confirmação do resultado da eleição para o CA, passados os prazos e atos regulamentares, com a realização de background check e manifestação do Comitê de Elegibilidade, teve início uma sequência de atos um tanto peculiares e distintos dos usualmente adotados no BNDES.

Em sua manifestação, o Comitê de Elegibilidade — em que pese afirmar que o candidato eleito preenchia os requisitos técnicos e legais —, considerando que era possível que ele tivesse sido eleito como representante sindical, recomendou que a Comissão de Ética da Controladoria Geral da União (CGU) analisasse a questão, embora a competência para tal análise fosse do próprio comitê.

A manifestação formal e conclusiva do Comitê de Elegibilidade só foi emitida após provocação no Judiciário através de dois novos mandados de segurança impetrados pela AFBNDES não só para fazer valer a vontade do corpo funcional benedense, mas também para que os normativos da instituição fossem cumpridos.

Nesse meio tempo, tendo tomado conhecimento de que o Comitê de Elegibilidade entendia que a simples condição de suplente poderia configurar conflito de interesses, por iniciativa própria o candidato eleito renunciou também à suplência e comunicou sua decisão imediatamente ao comitê.

Argumentos que não se sustentam

Entretanto, com uma decisão inédita em casos semelhantes, o Comitê de Elegibilidade ignorou que usualmente diante de casos concretos de conflito de interesses costuma recomendar a posse e posterior consulta ao órgão competente, de forma a mitigar ou eliminar situações de conflito. Dessa vez, além de ignorar que o candidato eleito já havia, por iniciativa própria, renunciado até mesmo à suplência, emitiu parecer contrário à sua posse.

E o que mais chama atenção no caso é que os alegados conflitos de interesses, diferentes daqueles que o comitê está habituado a receber, que em regra diz respeito ao conselheiro ser dirigente de empresas que tenham interesses em decisões do BNDES (situações expressas em lei e normativos internos) diziam respeito a uma suplência de representante sindical que nem pode ser considerada cargo ou mandato e a um artigo publicado na imprensa, que teria desagradado a alguns empregados.

São argumentos que não se sustentam seja porque suplência não se confunde com cargo nem exercício de mandato; seja porque o candidato já tinha renunciado até mesmo à suplência, com ciência ao comitê; seja porque o fato de não ser unanimidade entre os empregados está longe de ser caracterizar como conflito de interesses

Demora conveniente ao banco

A última cartada, que ainda está na mesa, foi a proposta do presidente do BNDES, baseada nesse tal conflito de interesses, de cancelamento de todo o processo eleitoral e realização de novas eleições.

Além do absurdo da situação, é importante registrar que enquanto essa “novela” se desenrola, as reuniões do Conselho de Administração continuam a acontecer normalmente, ordinárias e extraordinárias, e não por acaso toda a agenda denunciada em campanha pelo conselheiro eleito está sendo tocada, sem a participação de um legítimo representante dos empregados.

Claramente, essa demora tem sido bastante conveniente para a administração do banco, pois o que mais importa não é evitar a posse de Arthur, mas sim realizar a agenda prioritária com celeridade.

O curioso é que mesmo com o conselheiro eleito participando das reuniões do Conselho, provavelmente eles conseguiriam cumprir essa agenda, considerando que sempre serão maioria. Fica, então, uma pergunta no ar: o que eles tanto temem, por que essa obsessão em impedir que o legítimo representante do corpo funcional participe do CA e de tais discussões?


Pauliane Oliveira é advogada e vice-presidente da AFBNDES. Há 21 anos no BNDES. Foi secretária-executiva da Comissão de Ética do banco entre 2009 e 2016

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