Wagner Santana

Dia Mundial da Saúde: 4 mil vítimas de um insano

Após chegar a 4 mil mortes em 24 horas, Brasil sofre com irresponsabilidade de Jair Bolsonaro

Marcos Corrêa/PR
Marcos Corrêa/PR
Somos hoje reconhecidos como o país que lidou da pior forma com a pandemia e Jair Bolsonaro é apontado pela imprensa internacional como o líder mais nefasto e perigoso

Muitos assuntos importantes poderiam ser debatidos hoje, neste espaço, neste Dia Mundial da Saúde. À frente de um sindicato que representa milhares de trabalhadores metalúrgicos, categoria forte, combativa e importante para a economia brasileira, seriam muitos os temas relativos à saúde do trabalhador e à nossa batalha constante pela preservação da sua saúde física e mental. Muito se avançou neste campo, mas são ainda enormes os desafios e obstáculos a serem transpostos.

No entanto, neste 7 de abril, dia mundialmente dedicado àquilo que nos é tão precioso, é impossível não focar nossas atenções para a tragédia humanitária que está acontecendo no Brasil, mais do que em qualquer outro país do mundo, devido à forma irresponsável com que o governo brasileiro tem agido frente à pandemia de coronavírus. Ontem nos deparamos pela primeira vez com mais de 4 mil mortes em um dia. Sem perceber, falamos em 4 mil da mesma forma como meses falávamos em quinhentas e poderemos amanhã falar em 5 mil, naturalizando algo que seria impensável e que é, de fato, inaceitável.

O Sindicato dos Metalúrgicos do ABC tem atuado de forma firme e exaustiva para fazer o seu papel, buscando alternativas para aumentar no que é possível a proteção aos trabalhadores nas fábricas. Estamos atentos e cobrando dos empresários a adoção de todos os protocolos de segurança, fiscalizando, e pressionando para que a cada pico da pandemia, com aumento do número de contaminados e saturação dos hospitais e unidades de saúde, as fábricas façam paralisações, como nos meses mais críticos de 2020 e ao longo da semana passada. Em algumas fábricas, conseguimos negociar aumento de turnos e mesmo revezamento de trabalhadores, para diminuir as chances de contaminação no ambiente de trabalho.

No entanto, a cada dia reforçamos nossa certeza de que ações pontuais não serão suficientes para que se consiga uma redução sustentada dos casos e das mortes. Infectologistas e pesquisadores das mais respeitadas instituições científicas brasileiras e internacionais são unânimes em defender a adoção de lockdowns regionais, ou mesmo de um lockdown nacional como única alternativa viável para a redução efetiva do número de casos e mortes, enquanto não houver vacina para todos.

Várias iniciativas adotadas em algumas cidades mostram que o lockdown surte efeito positivo. Araraquara (SP) é um bom exemplo. A cidade viu o número de novos casos cair, assim como as internações e óbitos, após implantar um lockdown de dez dias, seguido de medidas de restrição como antecipação de feriados, barreiras sanitárias com testagem em motoristas e ocupantes de veículos, entre outras. Pela primeira vez após mais de dois meses, o município chegou a registrar dois dias seguidos sem mortes provocadas pela Covid-19.

Urgente, o lockdown tornou-se uma das poucas medidas efetivas que restam neste cenário de guerra, após meses de completo descaso do governo brasileiro no enfrentamento da pandemia. Na ausência completa de um comando central, de uma articulação governamental nacional que de fato se dispusesse a combater a covid-19, chegamos ao caos após um longo percurso de negacionismo e ações voluntariosas tomadas sem qualquer base científica por um governante irresponsável e fanfarrão que receita remédios sem ser médico, deixa o país sem ministro da Saúde por longos períodos e se dedica com afinco a desacreditar quaisquer medidas de proteção como máscaras e distanciamento, e a promover aglomerações.

Recusa criminosa

Essa irresponsabilidade e inação do governante brasileiro assume facilmente contornos de crime, se nos atentarmos para fatos que se deram no ano passado. Apesar da mudança repentina de posicionamento adotada logo após o discurso do ex-presidente Lula em São Bernardo em defesa da ciência, o governo federal nunca se empenhou de fato em imunizar a população. Ao contrário, por conta de sua disputa política com o governador de São Paulo, Bolsonaro recusou três ofertas de vacina feitas pelo Instituto Butantã em 2020. Também não buscou alternativas para garantir vacinas de outras farmacêuticas, mesmo alertado para a alta demanda mundial e o risco de deixar o país sem imunizantes.  

No caso da vacina Coronavac, vale relembrar os detalhes. Na primeira oferta, em 30 de julho, o Butantã afirmou em ofício endereçado ao ministro da Saúde, que tinha condições de fornecer 60 milhões de doses a partir do último trimestre de 2020. Sem receber resposta, o Instituto reforçou a oferta em 18 de agosto. Novamente não teve retorno e, em 7 de outubro, tentou mais uma vez, lembrando ao governo federal da grande demanda pela CoronaVac no mercado mundial e entre estados e municípios brasileiros.

A imprensa, na época, noticiou que o próprio diretor do Butantã, Dimas Covas, entregou o terceiro ofício em mãos para o general Pazuello, que desta vez chegou a informar a intenção de comprar 46 milhões de doses, mas foi desautorizado por Bolsonaro. O presidente deu ordens para suspender tudo e garantiu, publicamente, que não compraria nenhuma dose da “vacina chinesa do Doria”.

Na travessia que viria após essa decisão muitas coisas ocorreram, já amplamente divulgadas, mas que nunca sairão da nossa memória, como a morte de brasileiros por falta de ar em Manaus, entre tantos descalabros.  

E assim foi que chegamos hoje, neste 7 de fevereiro de 2021, Dia Mundial da Saúde, mobilizados em defesa de uma medida emergencial e extrema, como o lockdown, quando deveríamos estar em outro patamar, discutindo estratégias e logística de vacinação, apoio aos profissionais de saúde, entre outros temas. Vacinar mais e mais pessoas é a única saída e sabemos disso. O lockdown é uma saída emergencial para minimizar os efeitos da crise, para que amanhã não tenhamos situações ainda piores, como corpos jogados pelas ruas.

Se ontem o assunto principal na imprensa era o colapso dos hospitais, hoje, infelizmente, já ouvimos falar no colapso de alguns cemitérios e no risco para a saúde pública que essa situação extrema poderá representar. Se o governo não fez seu papel até agora, se não assegurou vacina, se não incentivou as medidas de proteção, hoje terá de remendar o que ainda é possível e garantir as condições para que as cidades em situação mais graves possam parar.

Não podemos cair na armadilha montada por Bolsonaro, que, com esmero, dedicou-se a difundir a falsa ideia de separação entre vidas e economia. Parte da população passou a acreditar na insensatez de que a economia importa mais do que as vidas que a sustentam. Intencional e calculada, essa falsa dicotomia se presta perfeitamente a esconder a inação do governo também neste campo.

Ao contrário do que fez a maioria dos países, o governo não investiu em medidas criativas de incentivo, não concedeu crédito suficiente ao setor empresarial e nem mesmo um auxílio emergencial decente, que preservasse parte da renda da população e consequentemente garantisse seu poder de compra e a vitalidade da economia. E principalmente, se nossa economia se encontra hoje também na fila da UTI é por culpa sim, de Bolsonaro, que descartou a compra de vacinas.

Perigo para o mundo

Nesta semana o Brasil ocupou as capas de jornais em todo o mundo. Somos hoje reconhecidos como o país que lidou da pior forma com a pandemia e Jair Bolsonaro é apontado pela imprensa internacional como o líder mais nefasto e perigoso. O tradicional jornal inglês The Guardian dedicou seu editorial de ontem à situação do Brasil e já no título expressava sua visão sobre Bolsonaro: “um perigo para o Brasil e para o mundo”. No mesmo dia, o The Washington Post, dos EUA, analisava a piora do cenário em diversos países da América do Sul, que estão começando a registrar um aumento dos casos de infecções pela variante brasileira, a P1. O título, mais uma vez, não deixava dúvidas: “O Brasil se tornou o maior disseminador da América do Sul”.

É assim que somos vistos hoje pelo mundo. Saber disso nos choca, certamente. De tudo que temos lido, uma notícia chamou ainda mais a nossa atenção e precisa ser divulgada para que nos sirva de incentivo a agir. Com base nos dados do Novo Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados), a edição brasileira do jornal espanhol El País, fez uma análise dos contratos formais de trabalhadores que não puderam ficar em casa, como motoristas de ônibus, caixas, frentistas, e concluiu que houve um aumento de 60% nas mortes entre estes profissionais nos meses de auge da pandemia. Entre profissionais de saúde e professores também houve o que o cadastro identifica como “excesso de óbitos”, quando se comparam os meses de janeiro e fevereiro de 2021 com o mesmo período em 2020. A classe trabalhadora, já sabemos, sempre paga muito caro os efeitos de quaisquer crises. Desta vez, ela está pagando com a vida.

Wagner Santana é presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC


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